quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Fundação Carlos Chagas publica estudo avaliativo do Pibid


          A Fundação Carlos Chagas (FCC) publicou nessa semana um estudo avaliativo do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), que envolve cerca de 90 mil bolsistas e cinco mil escolas de educação básica, com a participação de 284 instituições de ensino superior.
          O texto destaca como diferencial no programa a concessão de bolsas não só aos estudantes de licenciatura, mas também aos professores das universidades que os orientam e a professores de escolas públicas (chamados supervisores) que acompanham as atividades dos bolsistas no espaço escolar, atuando assim como coformadores no processo de iniciação à docência, em articulação com o formador da universidade.
          O estudo faz parte da série Textos FCC, que tem como objetivo disseminar dados e achados dos estudos realizados no âmbito da Superintendência de Educação e Pesquisa da Fundação Carlos Chagas e trabalhos contemplados por prêmios conferidos pela instituição. São textos mais extensos do que artigos acadêmicos e oferecem informações detalhadas sobre os procedimentos metodológicos utilizados, de forma a subsidiar outras iniciativas de especialistas e interessados. A apresentação do texto ficou a cargo do presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge Almeida Guimarães.

FCC
          A FCC é uma instituição sem fins lucrativos dedicada à avaliação de competências cognitivas e profissionais e à pesquisa na área de educação. Fundada em 1964, expandiu as atividades com a realização de exames vestibulares e concursos de seleção de profissionais para entidades privadas e públicas em todo o Brasil. A partir de 1971, com a criação do Departamento de Pesquisas Educacionais, passou a desenvolver amplo espectro de investigações interdisciplinares voltadas para a relação da educação com os problemas e perspectivas sociais do país.

Pibid
          O Pibid é uma proposta de valorização dos futuros docentes durante seu processo de formação. Tem como objetivo o aperfeiçoamento da formação de professores para a educação básica e a melhoria de qualidade da educação pública brasileira.
          O Pibid oferece bolsas de iniciação à docência aos estudantes de cursos de licenciatura que desenvolvam atividades pedagógicas em escolas da rede pública de educação básica; ao coordenador institucional que articula e implementa o programa na universidade ou instituto federal; aos coordenadores de área envolvidos na orientação aos bolsistas; e, ainda, aos docentes de escolas públicas responsáveis pela supervisão dos licenciandos. Também são repassados recursos de custeio para execução de atividades vinculadas ao projeto.
          Acesse o estudo.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Professores para o bem do Brasil


Artigo da professora Vanderlan da Silva Bolzani para o Jornal da Ciência

         O dia do professor este ano tem um significado mais decisivo que os outros celebrados nos últimos anos. E por que? Estamos em plena disputa eleitoral, para a escolha do próximo presidente do Brasil. A partir de janeiro, independente de quem for eleito, o cenário impõe mudanças profundas devido ao panorama interno de dificuldades tangíveis aos olhos mas, nada que não possa ser administrado assaz, e de um quadro  internacional complexo, mas diagnosticado por vários indicadores econômicos, muito mais amenos que os últimos anos. Uma dessas mudanças passa pela excelência do sistema de educação em todos os estados da federação.
         Há 10 dias das eleições, as campanhas tomam caráter de batalha pelo voto e expõe feridas crônicas de nossa sociedade, exaltadas pelas manifestações de todo o tipo de preconceito e discriminação, evidenciando o atraso educacional e cultural do país, contido em comentários do tipo “nordestinos e pobres não  sabem votarelite brancapaulistas devem morrer de sede, e assim vão se multiplicando na mídia e redes sociais demonstrando que o país precisa de professores, muitos professores, de milhares de professores qualificados, respeitados, recompensados e felizes.
         Em momentos como o atual, celebrar o dia do professor nos leva a refletir sobre a missão de ensinar e educar neste Brasil continental. Não se constrói uma nação soberana e rica, sem um sistema educacional robusto e de excelente qualidade em todos os níveis, especialmente no ensino fundamental e médio.
         Assistimos diariamente os candidatos diagnosticarem a ineficiência do sistema de educação atual, destacando que seus planos de governo priorizarão  um novo modelo de ensino para todo o país! Resta saber se os planos e programas traçados serão de fato, colocados em prática. Considerando as eleições um instrumento maravilhoso da prática democrática de uma nação, os avanços educacionais já alcançados com a eleição de 6 presidentes após o térmico do regime militar, é ainda muito tímido e insuficiente para o salto qualitativo que almejamos para o nosso “gigante adormecido em berço esplêndido”!
         A melhor forma de comemorar o Dia do Professor é ampliando a discussão sobre a valorização profissional e o reconhecimento do trabalho de educadores mal remunerados, desestimulados e sem grandes perspectivas de melhoria da carreira em curto e médio prazo.  Essa tarefa não é, seguramente, algo abstrato e impreciso. Ela passa concretamente pela discussão das grades curriculares, da diminuição cada dias maior do número de jovens que optam pela profissão, pela análise das condições de trabalho, e pela identificação da devida importância que o professor tem nas “ditas sociedades do conhecimento” e assim, para o que se espera ser também da sociedade brasileira.
         Finalizado o processo de eleições democráticas, o novo presidente iniciará as mudanças dos planos de governo e por que não iniciar pela melhoria do ensino nacional e na valorização da atividade docente?
         Talvez o momento seja propício à geração de novas ideias, ao exercício de alguma ousadia, com base na larga experiência que os professores têm da realidade das salas de aula e dos laboratórios. Finalizando esta nota, reverencio  todos os mestres pelo seu dia. Que esta mensagem seja mensageira de entusiasmo e de esperança a todos os professores do Brasil que lutam por um país mais humano e igualitário. Que o dia de hoje seja então um dia de reflexão sobre o papel deste profissional na construção de um país digno e soberano.

Vanderlan da Silva Bolzani (Professora Titular do IQ-UNESP, Diretora da AUIN-UNESP e Conselheira da SBPC)

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Química: como te quero!



Carta aberta à atriz Denise Fraga
Prezada atriz Denise Fraga:
          Cientista, pesquisador e professor universitário há 16 anos, no curso de graduação e pós-graduação em Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sou ciente que o fascínio e influência que causamos (nós, professores) nos alunos são fatores adicionais na responsabilidade sobre o que, como e quando externamos opiniões pessoais em salas de aula. Para uma plateia formada por estudantes que se prepararam para fazer da Química sua profissão, e que portanto têm esta linda ciência como uma paixão, deslizes por parte daqueles que lhe são exemplos podem causar estragos indeléveis no futuro. Não me vejo, por exemplo, me permitindo usar um espaço nobre como o púlpito de uma sala de aula para bradar aos meus alunos de Química tais considerações: meu filho vai mal em artes. Meu outro filho também vai mal em artes. Eu fui mal em artes. Me perdoem os artistas, mas alguém poderia me dizer porque ainda se estuda artes nas escolas?
          De tão absurdo e distante daquilo que acredito, sinto vergonha em ter somente escrito esta barbaridade aí acima. Pois troque a palavra “artes” pela palavra “química”, e a palavra “artistas” pela palavra “químicos”, e teremos o início do texto pulicado na Folha de São Paulo por você, artista Denise Fraga, em sua coluna de 03/08/2014. Mais do que um púlpito em sala de aula, você usou um espaço nobre destinado a poucos (uma coluna bissemanal em um dos jornais mais lidos do país) para, baseado na sua experiência familiar (um filho, outro filho e você mesma), colocar dúvida sobre a necessidade do ensino de química.
          Minha cara artista, permita-me educadamente discordar de suas opiniões. Ensina-se Química porque a Química é um dos pilares do conhecimento científico, e portanto, do conhecimento humano. Ensina-se Química porque o ser humano se diferencia dos outros animais pela capacidade de pensar, e o aprendizado (qualquer um) é um dos motores do fazer pensar. Ensina-se química para que todos os cidadãos possam ter o mínimo de compreensão sobre os fenômenos cotidianos e as coisas que os rodeiam (você mesmo disse que “tudo tem química”). Ensina-se Química porque o país precisa de cientistas. Como precisa de artistas. Como precisa de engenheiros. O desenvolvimento científico é um dos motores para alavancar a economia e soberania de uma nação. Ensina-se Química pelo mesmo motivo que se ensina matemática, história, línguas, geografia, e todos os outros conteúdos, no seu devido tempo, no seu devido momento: a química faz parte da cultura geral. E também se ensina química para que alguns, no momento certo de escolher o que querem continuar estudando, possam optar por viver de Química (meu caso), e que outros, neste mesmo momento, possam optar para nunca mais lembrar que ela existe (aparentemente o seu caso). E para que aqueles que optam por viver de Química possam produzir, para todos, novos fármacos para curar e prevenir doenças; novos materiais para melhorar habitação, vestuário, transporte; novos processos de descontaminação de águas, solo e atmosfera; novos materiais para tornar potável a água salobra; novas próteses para aumentar o conforto de amputados; pele artificial, sangue artificial, órgãos artificiais, para continuar a vida de desenganados; novas alternativas para produzir mais alimentos; novas maneiras de gerar energia limpa; novos biocombustíveis; novos artigos de higiene; novos cosméticos; novas tecnologias para produção de equipamentos menores e mais sofisticados, que permitem, como mencionastes em seu texto, buscar informações no bolso a um clique dos dedos. É isso tudo que nós, químicos, estamos fazendo, sem pedir créditos ou aplausos – daí, talvez, a sensação de que o ensino de química não é necessário.
          A química é absolutamente encantadora. Uma ciência que está de braços eternamente abertos a quem se dispuser a tentar compreendê-la. Uma fonte inesgotável de inspiração e de beleza, que vem caminhando lado a lado com a evolução da humanidade, fornecendo respostas e alternativas a seus questionamentos. Não é nenhum exagero afirmar que a química esteve presente, como atriz principal, em todos os grandes acontecimentos da história, desde o Big Bang – responsável pela criação do Universo -, passando pela formação das galáxias e planetas, pelo início da vida na Terra, pelo processo evolutivo que nos trouxe até aqui, e por todas (e absolutamente todas) as intervenções que a espécie humana realiza e vem realizando no planeta que lhe deu origem.
          Será que estes motivos não são suficientes para permitir que as novas gerações sejam presenteadas com seu aprendizado? Mas além desta ciência fascinante, a química corresponde a um dos maiores motores da economia mundial. No Brasil, o faturamento da indústria química no ano de 2012 foi de R$ 293 bilhões, um crescimento de 12,4% sobre o faturamento do ano anterior, que corresponde a 2,5% do PIB brasileiro (9,9% do PIB das indústrias de transformação), e que a coloca em sexto lugar no faturamento das indústrias químicas do mundo (atrás de China, EUA, Japão, Alemanha e Coréia, nesta ordem).
          Será que a indignação no seu texto, Denise, não deveria, na verdade, estar direcionada à “maneira” pela qual alguns conteúdos são ensinados (decorar tabela periódica, platelmintos, etc)? O grande debate que devemos abraçar é qual a escola que temos, e qual escola queremos ter. Por que se ensina como se ensina? Estas são questões fundamentais, que precisam urgentemente ser colocadas em pauta. Com relação ao ensino de química, há profissionais maravilhosos espalhados Brasil afora que se preocupam em como ensinar, e muitos outros profissionais maravilhosos que ensinam como se deve. Há ações primorosas sendo realizadas na área de ensino e educação em Química no país, capitaneadas por universidades e instituições como a Sociedade Brasileira de Química, dentre outras. Discutir a escola que queremos e que precisamos é função de educadores, políticos, pais e cidadãos preocupados com o futuro desta nação. E é uma tarefa que exige empenho e dedicação, e que infelizmente não encontra espaço nas agendas cada vez mais abarrotadas dos nossos cidadãos, principalmente os mais esclarecidos e que têm algum tipo de palanque.
          Minha cara Denise Fraga, seu talento inquestionável lhe permitiu adotar a arte como profissão. Sorte a nossa, enquanto plateia, que temos o privilégio de contarmos com suas atuações. A mim em particular, que fiz teatro amador na escola durante o ensino médio, e que arranho um violão sem-vergonha nos finais de semana, a arte que você representa é como o ar que respiro. Choro ou gargalho em cinemas e teatros, me emociono ao limite em espetáculos musicais, e passo praticamente todos os finais de semana em museus – práticas que tento diariamente transmitir à minha pequena filha.
          Agradeço todos os dias aos meus pais e aos professores que tive no ensino fundamental e médio (em escola pública, diga-se de passagem, em Matão-SP), cujas ações corretas me fizeram gostar do saber (independente da área), e me tornaram um químico que sabe apreciar as delícias do conhecimento e da cultura. Respeito sua opinião de que o ensino de química não é necessário, assim como respeito a opinião de inúmeras pessoas que não veem necessidade em ir ao teatro, museu ou espetáculos musicais. Lamento profundamente ambos os casos, e luto diariamente para convencer, com argumentos, que são posturas redondamente equivocadas.
Aldo José Gorgatti Zarbin é Professor/Pesquisador do Departamento de Química da UFPR e presidente-sucessor da Sociedade Brasileira de Química (SBQ).
JC Notícias, quinta-feira, 21 de agosto de 2014.


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Pesquisa mostra que alunos perdem um dia de aula por semana devido a má gestão no ensino público


No Brasil, 27% do tempo em sala é dedicado a organização da turma e 9%, a atividades não escolares

          O mau gerenciamento das salas de aula das escolas públicas no Brasil faz com que os estudantes percam o equivalente a um dia inteiro de ensino por semana. O dado é do novo relatório "Professores excelentes: como melhorar a aprendizagem dos estudantes na América Latina e no Caribe", divulgado pelo Banco Mundial.
          Ao observar mais de 15 mil salas de aula de três mil escolas em sete países latino-americanos, pesquisadores detectaram problemas relacionados às relações cotidianas entre alunos e educadores - falta de liderança, perda de tempo letivo com assuntos extracurriculares -, além de baixo padrão de formação de professores, ausência de planos de carreira, baixos salários e falhas nas avaliações de desempenho. Tudo isso, somado, explicaria o desempenho ruim dos alunos nas avaliações internacionais.
- A observação das salas de aula no Brasil mostrou que 64% do tempo são direcionados a atividades acadêmicas; 27%, à organização da sala de aula; e 9%, a atividades que não competem ao ensino. O padrão para um bom gerenciamento seria com 90% direcionados às práticas pedagógicas, e 10%, para a organização sala - afirma Barbara Burns, uma das coordenadoras da pesquisa.

Docente bom, aluno adiantado
          O levantamento demonstrou que alunos com os melhores docentes conseguem superar em até 50% o conteúdo previsto para uma determinada série, antecipando tópicos da seguinte. Já nas escolas com os piores professores, a turma chega ao fim do ano letivo com menos da metade do conteúdo planejado.
          A pesquisa também revelou que o desempenho escolar dos estudantes influencia na economia do país. O relatório expõe que, se o México aumentasse o rendimento médio de seus estudantes no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) até o nível da Alemanha, seu produto interno bruto (PIB) teria um incremento de dois pontos percentuais.
- É difícil pensar em um elemento mais importante para ampliar as oportunidades para todos os latino-americanos do que a qualidade da educação - afirma Jorge Familiar, vice-presidente do Banco Mundial para a região.
          O Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) afirma que o Estado não fornece condições para a atuação do professor, e isso é refletido em sala de aula.
- É inviável um bom rendimento sem formação continuada e com remuneração baixa. O que acontece na sala de aula é um reflexo da falta de estrutura. O professor está entregue a sua própria sorte - afirma Samantha Lopes Maciel, coordenadora-geral do sindicato, que ficou espantada com o índice de "perda de tempo" em sala, mas o vê como um problema de planejamento. - É necessário que o professor tenha um momento na sua carga horária para reunião e planejamento. Quando não existe, isso impacta na relação com os alunos.

          O relatório demonstra a falta de incentivo salarial. O nível de remuneração mensal em 2010, na América Latina, era entre 10% a 50% mais baixo do que a verificada em outras carreiras equivalentes. Essa relação se mantém desde 2000.

Revisão curricular é necessária
          Para o presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Moacir Feitosa, há uma deficiência na formação, que deveria ser bem mais completa.
- Do ponto de vista acadêmico, os currículos deveriam ser mais plenos. Falta uma atenção mais intensiva aos objetivos de cada série. A distribuição do tempo fica prejudicada quando se dá atenção a várias demandas e se perde o foco na questão central. Por isso, é necessário revisarmos o currículo para cada segmento - afirma Moacir.
          A atenção mais direcionada é um dos pontos do relatório que demonstram como simples práticas podem gerar resultados.
- Durante a observação, vimos professores que faziam coisas simples como comentar o dever de casa. Quando cruzamos com os resultados daquela turma em exames, vimos que há uma correlação positiva - afirma Barbara, que enfatiza a necessidade de investimento: - Obviamente, o professor precisa ter condições de trabalho para atuar.


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Manifestação da Sociedade Brasileira de Química


Texto é em resposta à coluna de Denise Fraga publicada em 3/8/2014 na Folha de São Paulo.

          A Sociedade Brasileira de Química (SBQ), por meio de sua Diretoria e Conselho, manifesta-se em resposta à coluna de Denise Fraga (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/denisefraga/2014/08/1494462-quimica-pra-que-te-quero.shtml), da Folha de São Paulo, do dia 3/8/2014, intitulada “Química, pra que te quero?”, com o objetivo de esclarecer os leitores da Folha e contribuir, como sempre tem feito, para melhorar a educação no Brasil.
          Como ponto central está o porquê de se ensinar Química nas escolas. Estudantes devem ser introduzidos às Ciências, como a Química, e ao método científico o mais cedo possível. Isso lhes dá uma compreensão de fatos fundamentais para se tornarem cidadãos capazes de compreenderem o mundo ao seu redor. A Química não interessa apenas aos que amam esta Ciência: ela nos acompanha em cada momento e lugar de nossas vidas, desde o nascer até o pôr do sol, desde o sabonete e a pasta de dentes até as roupas, o analgésico e o automóvel. Crianças e adolescentes aprendem Química para se tornarem cidadãos capazes de tomarem decisões informadas. Eliminar o ensino de Química os torna presas fáceis de exploradores de todos os tipos, o que infelizmente presenciamos a cada dia no comportamento dos que decidiram ignorar as ciências.
          O texto de Denise Fraga tem uma única virtude, que é ilustrar (mais uma vez) a péssima qualidade do ensino no Brasil, principalmente nas escolas públicas, tão carentes de infraestrutura e de professores mais bem preparados para a arte de ensinar.
          A Sociedade Brasileira de Química tem trabalhado incansavelmente, desde a sua fundação, em 1977, para o desenvolvimento e fortalecimento da Química em todos os seus aspectos. Em um episódio recente, tivemos mais de um milhão de jovens brasileiros participando de um experimento sobre a qualidade da água dos rios e mananciais, com manifestações emocionantes de estudantes e de professores aplicados. Temos uma revista para professores e um site com materiais para estudantes e professores, com centenas de milhares de acessos a cada ano. Infelizmente, ainda é muito menos que o necessário, mas contamos que esta coluna de Denise Fraga contribuirá para que cada vez mais pessoas se empenhem pelo ensino e aprendizagem da Química, para o bem de todos.
(SBQ)

Jornal da Ciência, quinta-feira, 14 de agosto de 2014.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

MEC inicia construção de currículo nacional


          O Ministério da Educação (MEC) deu na última quinta-feira, 03/07/2014, o pontapé inicial para a construção da chamada Base Nacional Comum da Educação Básica, que prevê o que os estudantes brasileiros devem aprender a cada etapa escolar. Previsto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), esse dispositivo nunca foi elaborado. É tido por especialistas como fundamental para avanço educacional e na garantia da qualidade do ensino.
          A Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC recebe nesta quinta um documento que será o "desencadeador" do debate nacional sobre o tema. O texto foi coordenado pela ex-diretora de currículos e educação integral da pasta, Jacqueline Moll. "Estamos propondo uma discussão em regime de colaboração onde estejam presentes o MEC na condução, secretarias e uma participação mais ampla possível", disse ao Estado a titular da SEB, secretária Maria Beatriz Luce. "O MEC está aberto a construir conjuntamente se a Base Nacional será menos ou mais detalhada."
          Depois do longo processo de discussão do Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado no mês passado pela presidente Dilma Rousseff (PT), esse deve ser o debate que vai mobilizar o setor talvez nos próximos anos. A criação de uma base nacional sempre esteve acompanhada de resistência de setores de pesquisadores, que temem um engessamento da autonomia do professor. O respeito a diferenças regionais também é temido.
          Além de definir com mais clareza o que se espera que os alunos aprendam nas determinadas fases escolares, a Base Nacional ainda guiará o processo de avaliação e da própria formação de professores. Hoje, as diretrizes da Prova Brasil (avaliação federal da educação básica) e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) servem de indutores dos currículos municipais e estaduais, mas são considerados genéricos.
          A articulação em torno do tema conta com a participação da União de Dirigentes Municipais e do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e também do Conselho Nacional de Educação (CNE). "O compromisso com o CNE é que o MEC coloque o documento para a apreciação online, e todo o País envie sugestões. Isso deve acontecer até o final de agosto", disse Rosa Neide Soares, representante do Consed.
          Um grupo de mais de 50 especialistas e entidades também conversam há mais de um ano sobre o assunto, reunindo evidências internacionais e agrupando interessados. "A gente tem se dedicado muito a levantar evidências, mobilizar e colocar o tema em voga", disse Alice Ribeiro, secretária executiva do projeto de construção de uma Base Nacional Comum da Educação. "Cada escola vai aperfeiçoar de acordo com sua realidade", afirmou a ex-secretária de Educação Básica do MEC Maria do Pilar Lacerda.
(Paulo Saldaña e Victor Vieira/ O Estado de S. Paulo).


segunda-feira, 12 de maio de 2014

Falta de licenciatura atinge 35% de professores do nível fundamental


No ensino médio, números chegam a 22%, contrariando o que manda a Lei de Diretrizes e Bases.

          Contrariando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, segundo a qual professores que atuam a partir do 6º ano devem ter nível superior em curso de licenciatura, levantamento do Todos Pela Educação a partir de dados do Censo Escolar de 2013 mostra que mais de um terço (35,4%) dos docentes do ensino fundamental têm apenas bacharelado. No ensino médio, a fatia é de 22,1%. E, mesmo entre os que têm licenciatura, nem sempre ela corresponde à disciplina em que atuam. No ensino fundamental, são 67,2% os professores que detêm o título de outra área; no ensino médio, 51,7%.
          Em janeiro, O GLOBO publicou um estudo feito pela UniCarioca que mostra que apenas 20% dos alunos do ensino médio no Rio pretendem cursar licenciatura, sobretudo devido às baixas remunerações no magistério. Além disso, segundo dados do Ministério da Educação, a quantidade de alunos concluindo licenciaturas caiu 16% de 2010 a 2012.
          Se há especialistas e profissionais que criticam a falta de formação específica dos docentes, defendendo que o aprendizado de ferramentas pedagógicas influencia diretamente na qualidade do ensino, há também quem sustente que uma boa formação é o único fator fundamental para resultar num bom professor.


'Nunca quis ser professor'
          Grande parte das escolas do Rio afirma controlar com rigor o histórico escolar dos seus professores. No entanto, há casos como o de um curso pré-vestibular da Zona Norte onde cerca de 30% dos docentes não têm licenciatura. X., sócio da unidade, é formado em Engenharia Química e começou a dar aulas ainda na faculdade.
- Nunca quis ser só professor. Muita gente acaba não fazendo licenciatura porque "decola" e recebe muitas ofertas de emprego. Então, a licenciatura acaba em segundo plano. Para essa galera, ela até atrapalha - conta X., que pediu para não ser identificado na reportagem por temer reações negativas dos pais de alunos e também do Ministério da Educação.
          De acordo com o professor, o cursinho convoca jovens profissionais para dar um número reduzido de aulas. Os que têm bom desempenho são incentivados a cursar licenciatura posteriormente. Para X., que é professor de Química, o MEC deveria elaborar provas de certificação para qualquer profissional gabaritado, independentemente da licenciatura.
          A disciplina que ele leciona é a segunda com mais professores do ensino médio sem licenciatura: 28,6% do total. Artes aparecem em primeiro lugar (36,9%), e Física vem em terceiro (26,1%). Também no ensino médio, 85,1% dos professores de Artes não têm licenciatura na área em que lecionam. Já em Física são 80,8% sem formação específica; em Filosofia, 78,8%.
          João Paulo Rangel, de 35 anos, tem licenciatura em Sociologia e dá aulas de Geografia. Ele critica a limitação da docência à área de formação.
- Quando o professor é antenado e tem uma formação sólida, consegue dialogar com diferentes disciplinas. O treinamento ajuda, mas o fundamental é o professor gostar de ensinar - opina Rangel, que leciona em três escolas particulares do Rio.
          Professora da rede estadual do Rio desde 2009, Y. discorda. Formada com licenciatura em Biologia, ela dava aulas de Química, até o ano passado, para completar a carga horária de 16 horas semanais exigida por contrato:
- Fico desconfortável em dar aulas de outra disciplina. Mesmo sabendo o conteúdo, me faltavam ferramentas pedagógicas específicas. A aula ficava massante.

Poucos docentes, poucos licenciados
          O discurso de Y. se afina com o de Suely Druck, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e uma das criadoras da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Para ela, a formação dos professores brasileiros tem impacto na qualidade da educação do país, que define como uma "tragédia nacional".
- A questão da formação é seriíssima. Há professores que não conhecem determinados assuntos e têm de ensiná-los. Ensinam muito mal - pondera.
          Suely afirma que a alta proporção de docentes sem formação específica está relacionada ao número reduzido de professores com licenciatura. A professora calcula que, a cada cem alunos que entram na graduação para formar professores de matemática, só 20 terminam.
- São muitas vagas para poucos candidatos, e muitos entram tirando quase zero na disciplina. São alunos despreparados, que não sabem coisas básicas. Não gostam e nem têm interesse por matemática. Por isso, boa parte se perde pelo caminho.
          O educador Mozart Neves Ramos também chama atenção para o déficit de professores. Segundo ele, no ensino médio, faltam cerca de 250 mil docentes no Brasil. Para ele, porém, licenciatura não é garantia de qualidade:
- Mesmo os poucos que se formam ainda estão muito distantes da sala de aula no sentido de que não dominam a prática do ensino, sobretudo nas escolas públicas. O grande desafio brasileiro é aliar técnica à parte pedagógica.
          O MEC informou que tem investido em acordos entre redes de ensino e instituições de ensino superior e cita o Pacto Nacional de Fortalecimento do Ensino Médio, regulamentado por portaria ministerial em novembro do ano passado. Um dos objetivos é valorizar a formação continuada de professores.

(Dandara Tinoco / Colaborou Leonardo Vieira / O Globo)

terça-feira, 6 de maio de 2014

Um químico fascinado pela luz



Por Clarice Cudischevitch para NABC
03/05/2014
          Diferente de muitos cientistas, Fabiano severo Rodembuschnão ganhou kit de ciência quando criança nem teve aulas de laboratório de química no ensino médio. Inclusive, essa foi uma das disciplinas em que ele quase foi reprovado. A curiosidade que teve por essa área, apesar das notas, surgiu devido ao entusiasmo e dedicação passados por uma professora que tentava arduamente despertar em seus alunos o interesse sobre os fenômenos químicos.
          A certeza de que queria seguir nessa carreira veio mesmo durante o curso superior, mas o errado: ele começou fazendo engenharia química na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e, logo no primeiro dia de aula, ouviu a declaração que mudou sua vida profissional. "Fomos recebidos pelo diretor do curso, que deu as boas vindas a todos e perguntou quem gostava de química. Eu e mais três colegas prontamente levantamos a mão quando, para nossa surpresa, ele nos disse em alto e bom tom: 'Então vocês estão no curso errado! Devem fazer química!’" Um ano depois, Rodembusch passava no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

De Camaquã para Porto Alegre
          O que Rodembusch sempre soube, no entanto, é que um dia iria para a capital gaúcha fazer faculdade. Nascido em Santa Maria, ele passou toda a infância na cidade de Camaquã, no interior do Rio Grande do Sul, porque seu pai teve que se mudar para lá em busca de melhores oportunidades de trabalho. "Minha família era humilde e batalhadora, meu pai trabalhava durante o dia no comércio e cursava a faculdade de contabilidade à noite, e minha mãe cuidava dos três filhos", recorda. "Tenho boas lembranças dessa época, da simplicidade das coisas, da velocidade em que as pessoas viviam, de meu pai indo almoçar todos os dias em casa e nos levando para a escola." 
          Com um irmão gêmeo e outro cinco anos mais velho, Rodembusch sempre foi ensinado pelos pais que o estudo seria o único meio de evoluir. "Eles deixaram isso muito claro em suas atitudes e propostas de vida", relata. "Estavam fazendo de tudo para que um dia conseguíssemos fazer faculdade em Porto Alegre. Tanto foi o esforço deles que o primeiro a sair de Camaquã foi meu irmão mais velho, indo cursar análise de sistemas na PUC-RS." 

A importância da iniciação científica
          Na infância, Rodembusch não era muito fã de estudar - gostava mesmo era de jogar futebol na rua com os amigos, ou "qualquer outra coisa que nos tirasse de dentro de casa". "Naquela época, brincávamos até não enxergar mais devido à escuridão da noite, ou por não aguentar mais os mosquitos, sem a preocupação dos pais acharem que estávamos correndo algum risco de vida." 
          O fascínio pelos fenômenos químicos naturais e a curiosidade de entendê-los mudou o interesse do jovem pelos estudos, que aumentou principalmente durante a iniciação científica (IC), na qual ingressou no primeiro semestre da faculdade. "Foi a melhor coisa que poderia ter feito para os passos futuros como aluno de pós-graduação e depois como pesquisador."
          Mesmo sendo novo no curso e sabendo que, na época, as bolsas eram escassas, o interesse pela iniciação científica veio quase que de forma imediata à entrada na UFRGS. "Durante uma disciplina ministrada pelo professor Dimitrios Samios, fui convidado por ele a conhecer o seu laboratório e grupo de pesquisa, e então recebi uma proposta de bolsa de estudos." Samios trabalhava com espalhamento de luz em materiais poliméricos, e o primeiro contato que Rodembusch teve com um laser o fascinou e despertou ainda mais sua curiosidade em seguir nessa linha de pesquisa, fazendo-o optar pelo bacharelado em química.

Uma nova linha de pesquisa no doutorado
          Na graduação em química, Rodembusch conta que aprendeu a questionar e a desenvolver o pensamento crítico. Ele destaca a importância da professora Nádya Pesce da Silveira: "Além de professora, foi uma grande amiga e conselheira durante a graduação, iniciação científica e, posteriormente, mestrado e doutorado. Após se formar, ele começou o concorrido mestrado no Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ) da UFRGS, com linhas de pesquisa envolvendo físico-química de polímeros fluorescentes em solução. 
          Seguiu com o doutorado no mesmo programa, mas mudou completamente de área e optou pela síntese orgânica. Seu orientador, Valter Stefani, lhe deu liberdade e independência para atuar em mais de um projeto, pesquisando então a síntese e aplicação de compostos fotoativos na preparação de materiais para óptica não-linear, sondas biológicas, sensores ópticos e materiais híbridos, obtendo um envolvimento ainda maior com as áreas de síntese orgânica e fotoquímica. 
          Seu interesse em lecionar e ser pesquisador foi definido ao término do doutorado, quando atuou como professor substituto no Departamento de Química Orgânica do IQ/UFRGS. No pós-doutorado na Universidade Montpellier II, na França, o cientista desenvolveu pesquisa na área da química do sol-gel e materiais híbridos quirais. "Esse foi um período de grande amadurecimento científico, que me permitiu aprofundar a minha formação em uma área de interesse iniciada no doutorado", afirma.
          Nesse período, Rodembusch fez concurso para professor no Departamento de Química Orgânica do IQ/UFRGS, sendo aprovado no final de 2005 e assumindo em março de 2006. "Na época eu só tinha o Plano A, que era passar na UFRGS como professor e poder retribuir tudo que recebi como aluno dela."
          Ele explica a pesquisa da interação da luz com moléculas orgânicas, que desenvolve atualmente: cada molécula orgânica se comporta de uma maneira ao absorver luz, permitindo que, após essa absorção, diferentes fenômenos possam ser visualizados no estado excitado. O entendimento dessa dinâmica luz-matéria permite que novas moléculas possam ser desenvolvidas com aplicações específicas, tais como sensores ópticos para detecção específica de poluentes, e até mesmo na pesquisa de fontes alternativas de energia, além do desenvolvimento de compostos para serem utilizados como sensibilizadores em células solares fotoeletroquímicas, que convertem luz solar em energia.

O fascínio pela luz e as cores
          "Quando me perguntam se tenho algum hobby, digo que é fazer ciência e estar envolvido com ciência", revela o pesquisador gaúcho. "Vivo diariamente a frase que diz 'escolha um trabalho que você ame e não terá de trabalhar um único dia de sua vida'. Nesse universo, ele também considera empolgante a ausência de rotina, e diz que aprende-se a respeitar o tempo específico de cada coisa acontecer, exercita-se a tolerância e adquire-se a humildade de admitir que muitas vezes as coisas não vão acontecer como se espera. 
          "Quando Iuri Alekseievitch Gagarin, o primeiro homem no espaço, falou 'A Terra é azul. Como é maravilhosa. Ela é incrível!', já demonstrava que antes de qualquer coisa a luz e, consequentemente, as cores sempre impressionaram o homem. E comigo não poderia ser diferente", resume o cientista. "É isso que me encanta na fotoquímica orgânica. Sintetizar novos compostos que emitem as mais diversas cores e estudar suas potenciais aplicações é fascinante."
          Participante de maratonas e corridas de aventura, Rodembusch faz parte de um grupo que se reúne para atender doentes em hospitais e diz que "nem só de ciência vive o homem". Para ele, ser eleito membro afiliado da ABC para o período 2014-2018 significa a colheita de frutos que plantou décadas atrás. O título desperta ainda mais sua vontade de seguir fazendo pesquisa no Brasil e ajudando na formação de recursos humanos mais qualificados. "A partir da visibilidade que a ABC tem, pretendo mostrar que fazer ciência é algo acessível a todos que perseguem este sonho."
          Rodembusch acredita que tudo se encaixou perfeitamente na sua vida, desde o interesse por ciência no colégio, passando pela troca de curso, os erros e acertos na graduação, a decisão pelo mestrado, a continuidade no doutorado e a opção pelo pós-doutorado até se tornar professor. "Concluo que algo chamado perseverança me impulsionava a continuar. Assim, deixo um pequeno lembrete aos futuros cientistas: 'na vida o plantio é opcional, mas se plantou, a colheita é obrigatória'.


quinta-feira, 1 de maio de 2014

Pesquisa mostra prejuízo ao ensino causado pela indisciplina no país



Segundo números do Pisa, problemas como interrupções de aulas, atrasos e ausência de professor são mais frequentes no Brasil.

         Uma pesquisa com diretores de escolas que participaram da última edição do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2012 sugere explicações para o mau desempenho do Brasil, que ficou entre as 10 últimas posições na lista de 65 países pesquisados. Dados tabulados com exclusividade pela Fundação Lemann para O GLOBO mostram até que ponto 19 fatores sobre clima escolar atrapalham o aprendizado de matemática, leitura e ciências, disciplinas avaliadas na prova, aplicada a alunos de 15 anos. Entre esses fatores estão evasão, atraso e falta a aulas por alunos e professores, uso de álcool e drogas por estudantes, bullying e falta de respeito com os docentes.
         Cerca de 800 diretores de escolas brasileiras responderam a um questionário com 19 perguntas, como parte do Pisa 2012. A intensidade com que os problemas atrapalham o aprendizado nas escolas brasileiras é maior do que a média dos países da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) em todos os itens da pesquisa. As possibilidades de resposta foram divididas em quatro opções ("nada", "muito pouco", "até certo ponto" e "muito") para perguntas como: "até que ponto a interrupção de aulas por alunos impede a aprendizagem?".
         Nessa questão, aliás, o Brasil é o último do ranking de 65 países avaliados. Para 24,57% dos diretores de escolas nacionais, interrupcões de estudantes atrapalham muito o aprendizado. Já a média dos países participantes da OCDE é de apenas 2,54%. Em países como Reino Unido, Canadá, Tailândia e Polônia, menos de 1% dos dirigentes de colégios veem as interrupções como um grande empecilho ao aprendizado.
         Coordenador de projetos da Fundação Lemann, Ernesto Martins Faria cruzou dados das respostas com desempenhos nas três provas, e viu uma relação de causa e consequência.
- A maioria dos itens tem uma relação forte com o aprendizado. Por exemplo, nos países que relatam que há muito problema de atraso dos alunos, a proficiência é mais baixa. Naqueles que relatam que acontece pouco, a proficiência é mais alta - compara Martins Faria.
         O especialista pondera que pode acontecer de um país ter uma maior frequência de um problema e ainda assim ter um resultado melhor, ou o inverso.
- Não são só esses fatores que determinam a qualidade da educação. Mas para todos os países há esta tendência: resultados baixos (em matemática, leitura e ciências) nas escolas em que os diretores relatam a maior incidência de um problema, e resultados altos onde relatam menos. Em várias perguntas isso aparece. As questões de clima escolar estão muito ligadas aos resultados do aprendizado - diz ele.

Professor ameaçado por aluno
         Professor de matemática, Ivan Macedo vive essa realidade no dia a dia. Ele dá aulas no ensino médio do Colégio Estadual Operário João Vicente, em Duque de Caxias, e endossa os 14,08% das escolas brasileiras que consideram que a aprendizagem dos alunos é muito dificultada pela falta de respeito com docentes. Na média dos países da OCDE, a alta frequência desse problema é de 1,88%. Na opção "até certo ponto", os percentuais são de 27,23% e 15,19%, respectivamente.

- Na semana passada, um aluno do 3º ano faltou com respeito a mim e a outro professor nos xingando. Já aconteceu de aluno ameaçar me bater, mas não chegou às vias de fato. Em um Ciep em que trabalhei, um professor foi ameaçado por um grupo em que um aluno estava armado. A agressividade e a falta de respeito atrapalham os alunos bons que querem participar, mas ficam cansados com essas situações. A grande maioria atrapalha os outros. O tempo já é curto, e ainda temos que ensinar para gente grande como ter educação - lamenta Ivan, de 24 anos.
         Diretora adjunta do mesmo colégio, a professora de língua portuguesa Cristiane Vera Cruz acredita que a evasão escolar é um dos maiores entraves ao aprendizado. No Brasil, 15,85% dos diretores disseram que esse problema atrapalha muito, mais que o dobro nos países da OCDE (7,01%). Na opção "até certo ponto", a diferença percentual é maior: 35,96% contra 26,15%, respectivamente.

- A evasão está acontecendo bastante, principalmente no turno da noite, porque os alunos trabalham e acabam não vindo à aula. No momento em que abandonam, há uma ruptura. Mesmo que venham a retomar os estudos depois, não é o mesmo que ter uma continuidade no ensino. O ideal é se manter na escola dentro da sua faixa etária para concluir a educação básica até os 18 anos - diz Cristiane.
         Para os estudantes, a responsabilidade na dificuldade de aprendizado também está associada ao desempenho dos professores. Aluna do 3º ano de Colégio Estadual Souza Aguiar, na Lapa, Mariana Santos diz que se sente prejudicada quando não é incentivada a atingir seu pleno potencial. Para 28,15% dos diretores brasileiros isso dificulta até certo ponto, e para 8,32%, muito. Na média da OCDE, os percentuais são 18,40% e 2,2%.
- Isso dificulta o aprendizado, até porque eles facilitam muito para a gente passar de ano. Tem professor que dá três pontos na nota se o aluno estiver presente em todas aulas. Não sou avaliada como devo. Se tirar 2 na prova, quer dizer que só sei 20% da matéria. Mas consigo passar por causa desses três pontos - conta Mariana.
         Ligado a esse fator está a baixa expectativa depositada pelos professores nos alunos. Esse problema afeta até certo ponto, segundo 31,74% dos diretores brasileiros, e muito, para 7,28%. Na OCDE, os números são 16,05% e 1,36%. No 3º ano do Colégio Estadual Pedro Álvares Cabral, em Copacabana, Lucas Alves sabe como é isso.
- Uma professora de biologia dizia que eu não conseguiria ir bem na matéria. Estudei e me esforcei para fazer ela engolir as palavras. Mas os alunos da minha sala têm mais rendimento quando o professor acredita que é possível ir além.

(Lauro Neto / O Globo)

sábado, 26 de abril de 2014

O Censo da Educação Básica


Editorial publicado no Estado de São Paulo em 04/03/2014.

         Divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), o Censo da Educação Básica apresenta duas informações importantes. Uma, positiva, é o crescimento de vagas de tempo integral - em que os alunos passam mais de sete horas na escola - no ensino fundamental. Entre 2010 e 2013, o aumento foi de 139%, passando de 1,3 milhão para 3,1 milhões. Desse total, 3,07 milhões são na rede pública e as 930 mil vagas restantes são na rede privada. Os estudantes nas escolas de tempo integral representam 11% do alunado do ensino fundamental.
         A outra informação, negativa, é o agravamento da crise do ensino médio, que tem 8,3 milhões de estudantes. Esse ciclo de ensino, que se encontrava estagnado, segundo o último Censo da Educação Básica, agora perde alunos. Em 2013, foram 64 mil matrículas a menos do que em 2012. Considerados os adolescentes e os jovens na faixa etária de 15 a 17 anos, que constituem o público-alvo desse nível de ensino, 15,8% estavam sem estudar em 2012. E, dos 84,2% que estavam numa escola, no final daquele ano, uma parte significativa ainda frequentava turmas de ensino fundamental. Ou seja, estavam com formação defasada.
         Com um currículo anacrônico e desvinculado da realidade social e econômica do País, quando comparado aos programas do ensino fundamental e superior, o ensino médio é hoje o principal gargalo do sistema educacional. Além da falta de qualidade, esse ciclo de ensino vive uma crise de identidade, uma vez que não prepara os estudantes nem para os exames vestibulares nem para o mercado de trabalho.
         Por isso, o desinteresse dos alunos e as taxas de evasão - principalmente na rede pública - estão deixando as autoridades educacionais apreensivas. Segundo o Censo da Educação Básica, só na primeira das três séries do ensino médio cerca de 30% dos alunos abandonam a escola ou são reprovados. Para tentar contornar o problema e atrair alunos, o MEC estendeu para o ensino médio ações antes circunscritas apenas ao ensino fundamental, como fornecimento de merenda, transporte escolar e livros didáticos. Para estimular os governos estaduais a modernizar a rede pública de ensino médio, o governo também aumentou os repasses federais para as Secretarias da Educação que apresentarem projetos inovadores, substituindo a divisão do currículo em disciplinas tradicionais, como português e matemática, por programas flexíveis e currículos diferenciados, que incluem ciência, tecnologia, cultura e trabalho. Os números do Censo mostram que essas providências não deram o retorno esperado pelas autoridades educacionais.
         Para tornar a escola mais atrativa para os jovens e oferecer uma alternativa ao ensino médio tradicional, o governo vem investindo na expansão do ensino técnico de nível médio, que entre 2010 e 2013 registrou um aumento de 84% no número de matrículas. O avanço é positivo. Mas, como muitas escolas técnicas foram inauguradas às pressas, por razões eleitorais, carecendo de professores em número suficiente e laboratórios equipados, a expansão desse tipo de ensino - que tem um total de 1,4 milhão de estudantes - estaria sendo feita em detrimento da qualidade, advertem os especialistas.
         Segundo o Censo, há 50 milhões de alunos matriculados no ensino básico. Desse total, 46% estudam nas redes públicas municipais; 36%, nas redes públicas estaduais; 17%, na rede particular; e o restante, nas escolas técnicas. O Censo também mostra que o número de matrículas nesse nível de ensino está caindo - só entre 2012 e 2013, as escolas perderam 500 mil alunos. A redução é atribuída pelo MEC à queda da taxa de natalidade, por um lado, e ao aumento das taxas de aprovação e à melhoria do fluxo escolar, por outro.

         O Censo da Educação Básica não avalia a qualidade do ensino, que é medida pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). O Censo é apenas um retrato estatístico desse nível de ensino. Com base em seus números, o MEC pode estabelecer prioridades e formular políticas para melhorar esse ciclo de ensino.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Maioria dos professores no país não tem licenciatura na sua área



No final do ensino fundamental, 67,2% dos docentes não têm formação adequada, enquanto no ensino médio, são 51,7%. Pesquisa foi feita por Todos Pela Educação com base no censo

         Chega a 67,2% o percentual de professores dos anos finais do ensino fundamental no Brasil que não têm licenciatura na disciplina que ensinam. Os dados, de 2013, foram consolidados pelo movimento Todos pela Educação com base no Censo Escolar. No ensino médio, cujas diretrizes curriculares ditam que os professores devem ter licenciatura em sua área, a parcela de docentes sem a formação adequada é de 51,7%.
         Segundo os dados, do total de 1.354.840 professores de ensino fundamental no Brasil, 444.127 (32,8%) têm licenciatura na área que atuam. As disciplinas com maiores proporções de formados ensinando nas próprias áreas são Língua Portuguesa (46,7%), Educação Física (37,7%) e Língua Estrangeira (37,6%). As menores proporções são Artes (7,7%), Filosofia (10%) e Geografia (28,1%).
         Já no ensino médio, Português (73,2%), Educação Física (64,7%) e Matemática (63,4%) são as áreas com maior parcela de docentes que ensinam as disciplinas nas quais se formaram. Artes (14,9%), Física (19,2%) e Filosofia (21,2%) têm as menores proporções, segundo os dados do Todos pela Educação.
- Temos uma carência de formação de docentes. Há poucos jovens querendo ser professores - afirma a diretora-executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz – Ainda não resolvemos o problema nem no quantitativo, nem no qualitativo.
         Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara concorda.
         O resultado reflete um problema grave que é a atratividade da carreira docente. E representa um desafio: garantir atratividade da profissão. Isso passa pela remuneração e também por condições de trabalho – avalia.
         Os dados apresentam também diferenças regionais. O Nordeste é a região com menor proporção de docentes nos ensinos fundamental (17,6%) e médio (34%). No primeiro caso, o Sudeste está na outra ponta, com 52,9%. No segundo, fica o Sul, com 58,1%. Coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe) do Rio, Marta Moraes crê que o resultado reflete a carência de universidades no país:
- Falta investimento em universidades públicas. Sem formação específica, o professor é um leigo, um quebra-galho.

(O Globo)