Por Clarice Cudischevitch para
NABC
03/05/2014
Diferente de muitos cientistas,
Fabiano severo Rodembuschnão ganhou kit de ciência quando criança nem teve
aulas de laboratório de química no ensino médio. Inclusive, essa foi uma das
disciplinas em que ele quase foi reprovado. A curiosidade que teve por essa
área, apesar das notas, surgiu devido ao entusiasmo e dedicação passados por
uma professora que tentava arduamente despertar em seus alunos o interesse
sobre os fenômenos químicos.
A certeza de que queria seguir nessa
carreira veio mesmo durante o curso superior, mas o errado: ele começou fazendo
engenharia química na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUC-RS) e, logo no primeiro dia de aula, ouviu a declaração que mudou sua vida
profissional. "Fomos recebidos pelo diretor do curso, que deu as boas
vindas a todos e perguntou quem gostava de química. Eu e mais três colegas
prontamente levantamos a mão quando, para nossa surpresa, ele nos disse em alto
e bom tom: 'Então vocês estão no curso errado! Devem fazer química!’" Um
ano depois, Rodembusch passava no vestibular da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS).
De
Camaquã para Porto Alegre
O que Rodembusch sempre soube, no
entanto, é que um dia iria para a capital gaúcha fazer faculdade. Nascido em
Santa Maria, ele passou toda a infância na cidade de Camaquã, no interior do Rio
Grande do Sul, porque seu pai teve que se mudar para lá em busca de melhores
oportunidades de trabalho. "Minha família era humilde e batalhadora, meu
pai trabalhava durante o dia no comércio e cursava a faculdade de contabilidade
à noite, e minha mãe cuidava dos três filhos", recorda. "Tenho boas
lembranças dessa época, da simplicidade das coisas, da velocidade em que as
pessoas viviam, de meu pai indo almoçar todos os dias em casa e nos levando
para a escola."
Com um irmão gêmeo e outro cinco anos
mais velho, Rodembusch sempre foi ensinado pelos pais que o estudo seria o
único meio de evoluir. "Eles deixaram isso muito claro em suas atitudes e
propostas de vida", relata. "Estavam fazendo de tudo para que um dia
conseguíssemos fazer faculdade em Porto Alegre. Tanto foi o esforço deles que o
primeiro a sair de Camaquã foi meu irmão mais velho, indo cursar análise de
sistemas na PUC-RS."
A
importância da iniciação científica
Na infância, Rodembusch não era muito
fã de estudar - gostava mesmo era de jogar futebol na rua com os amigos, ou
"qualquer outra coisa que nos tirasse de dentro de casa".
"Naquela época, brincávamos até não enxergar mais devido à escuridão da
noite, ou por não aguentar mais os mosquitos, sem a preocupação dos pais
acharem que estávamos correndo algum risco de vida."
O fascínio pelos fenômenos químicos
naturais e a curiosidade de entendê-los mudou o interesse do jovem pelos
estudos, que aumentou principalmente durante a iniciação científica (IC), na
qual ingressou no primeiro semestre da faculdade. "Foi a melhor coisa que
poderia ter feito para os passos futuros como aluno de pós-graduação e depois
como pesquisador."
Mesmo sendo novo no curso e sabendo que,
na época, as bolsas eram escassas, o interesse pela iniciação científica veio
quase que de forma imediata à entrada na UFRGS. "Durante uma disciplina
ministrada pelo professor Dimitrios Samios, fui convidado por ele a conhecer o
seu laboratório e grupo de pesquisa, e então recebi uma proposta de bolsa de
estudos." Samios trabalhava com espalhamento de luz em materiais
poliméricos, e o primeiro contato que Rodembusch teve com um laser o fascinou e
despertou ainda mais sua curiosidade em seguir nessa linha de pesquisa,
fazendo-o optar pelo bacharelado em química.
Uma nova
linha de pesquisa no doutorado
Na graduação em química, Rodembusch
conta que aprendeu a questionar e a desenvolver o pensamento crítico. Ele
destaca a importância da professora Nádya Pesce da Silveira: "Além de
professora, foi uma grande amiga e conselheira durante a graduação, iniciação
científica e, posteriormente, mestrado e doutorado. Após se formar, ele começou
o concorrido mestrado no Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ) da UFRGS,
com linhas de pesquisa envolvendo físico-química de polímeros fluorescentes em
solução.
Seguiu com o doutorado no mesmo
programa, mas mudou completamente de área e optou pela síntese orgânica. Seu
orientador, Valter Stefani, lhe deu liberdade e independência para atuar em
mais de um projeto, pesquisando então a síntese e aplicação de compostos
fotoativos na preparação de materiais para óptica não-linear, sondas
biológicas, sensores ópticos e materiais híbridos, obtendo um envolvimento
ainda maior com as áreas de síntese orgânica e fotoquímica.
Seu interesse em lecionar e ser
pesquisador foi definido ao término do doutorado, quando atuou como professor
substituto no Departamento de Química Orgânica do IQ/UFRGS. No pós-doutorado na
Universidade Montpellier II, na França, o cientista desenvolveu pesquisa na
área da química do sol-gel e materiais híbridos quirais. "Esse foi um
período de grande amadurecimento científico, que me permitiu aprofundar a minha
formação em uma área de interesse iniciada no doutorado", afirma.
Nesse período, Rodembusch fez concurso
para professor no Departamento de Química Orgânica do IQ/UFRGS, sendo aprovado
no final de 2005 e assumindo em março de 2006. "Na época eu só tinha o
Plano A, que era passar na UFRGS como professor e poder retribuir tudo que
recebi como aluno dela."
Ele explica a pesquisa da interação da
luz com moléculas orgânicas, que desenvolve atualmente: cada molécula orgânica
se comporta de uma maneira ao absorver luz, permitindo que, após essa absorção,
diferentes fenômenos possam ser visualizados no estado excitado. O entendimento
dessa dinâmica luz-matéria permite que novas moléculas possam ser desenvolvidas
com aplicações específicas, tais como sensores ópticos para detecção específica
de poluentes, e até mesmo na pesquisa de fontes alternativas de energia, além
do desenvolvimento de compostos para serem utilizados como sensibilizadores em
células solares fotoeletroquímicas, que convertem luz solar em energia.
O
fascínio pela luz e as cores
"Quando me perguntam se tenho
algum hobby, digo que é fazer ciência e estar envolvido com
ciência", revela o pesquisador gaúcho. "Vivo diariamente a frase que
diz 'escolha um trabalho que você ame e não terá de trabalhar um único dia de
sua vida'. Nesse universo, ele também considera empolgante a ausência de
rotina, e diz que aprende-se a respeitar o tempo específico de cada coisa
acontecer, exercita-se a tolerância e adquire-se a humildade de admitir que
muitas vezes as coisas não vão acontecer como se espera.
"Quando Iuri Alekseievitch
Gagarin, o primeiro homem no espaço, falou 'A Terra é azul. Como é maravilhosa.
Ela é incrível!', já demonstrava que antes de qualquer coisa a luz e,
consequentemente, as cores sempre impressionaram o homem. E comigo não poderia
ser diferente", resume o cientista. "É isso que me encanta na
fotoquímica orgânica. Sintetizar novos compostos que emitem as mais diversas
cores e estudar suas potenciais aplicações é fascinante."
Participante de maratonas e corridas
de aventura, Rodembusch faz parte de um grupo que se reúne para atender doentes
em hospitais e diz que "nem só de ciência vive o homem". Para ele,
ser eleito membro afiliado da ABC para o período 2014-2018 significa a colheita
de frutos que plantou décadas atrás. O título desperta ainda mais sua vontade
de seguir fazendo pesquisa no Brasil e ajudando na formação de recursos humanos
mais qualificados. "A partir da visibilidade que a ABC tem, pretendo
mostrar que fazer ciência é algo acessível a todos que perseguem este sonho."
Rodembusch acredita que tudo se
encaixou perfeitamente na sua vida, desde o interesse por ciência no colégio,
passando pela troca de curso, os erros e acertos na graduação, a decisão pelo
mestrado, a continuidade no doutorado e a opção pelo pós-doutorado até se
tornar professor. "Concluo que algo chamado perseverança me impulsionava a
continuar. Assim, deixo um pequeno lembrete aos futuros cientistas: 'na vida o
plantio é opcional, mas se plantou, a colheita é obrigatória'.
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