quinta-feira, 27 de agosto de 2015

“Não há desculpa para cientistas e professores não encontrarem maneiras melhores de ensinar ciência”, diz presidente de honra da Academia Nacional de Ciências dos EUA



            Como os cientistas podem – e devem – estabelecer parcerias com escolas, professores e estudantes para promover as qualidades da lógica científica em toda a sociedade foi tema de discussão nesta terça-feira, 25, no segundo dia do 44º Encontro Anual da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq) e 23º Congresso da União Internacional de Bioquímica e Biologia Molecular (IUBMB).
            O evento, que reúne cientistas de mais de 50 países do mundo, pesquisas de ponta e palestras com vencedores do Prêmio Nobel, questionou a maneira como a ciência vem sendo ensinada nos diversos níveis da educação básica. “Passamos anos ensinando ciência de maneira errada aos jovens, fazendo-os decorar expressões científicas”, comentou o bioquímico norte-americano Bruce Alberts, na sessão dedicada a problematizar a educação científica.
            Alberts foi editor-chefe da revista Science de 2009 a 2013 e presidente da Academia Nacional de Ciências (NAS, na sigla em inglês) por doze anos. Durante sua gestão na NAS, dedicou-se a desenvolver novos parâmetros para o ensino de ciências nos EUA, que acabaram por ser implementados em todo o país – um modelo que ele chama de “science as inquiry” (ciência como investigação).
            O princípio do método proposto por  Alberts  é justamente  fazer o estudante lidar com um problema, antes de mostrar respostas prontas. “A ciência baseada em investigação é como a ciência deveria parecer na escola”.
            O pesquisador citou como exemplo experimentos desenvolvidos com crianças de 5 anos que deveriam diferenciar pedregulhos de sementes espalhados na terra. Desde a seleção dos exemplares, passando pela observação em microscópios e, por fim, as hipóteses sobre a possibilidade de que as sementes seriam os materiais com formato regular, o processo todo foi conduzido para que elas concluíssem sozinhas. E, no momento de sugerir como verificar suas proposições, a sugestão foi a mais lógica: plantar para observar quais brotariam. “Uma criança dessa idade já é capaz de aprender a pensar cientificamente e chegar a conclusões lógicas”, observou.
            Ele conta que sua inspiração vem do conceito de “temperamento científico”, criado em 1946 pelo então primeiro ministro indiano, Jawaharlal Nehru. O termo descreve a aplicação de atitudes lógicas, como valorização da criatividade, da racionalidade, da verdade e da tolerância à vida cotidiana – “qualidades inerentes à Ciência”, afirmou Alberts.
            “Se desde crianças aprendemos a pensar cientificamente, ou seja, resolver problemas a partir de conclusões lógicas, as pessoas não seriam mais enganadas. Elas aprenderiam a rejeitar o pensamento mágico e se tornariam grandes solucionadores de problemas”, argumenta.
            Segundo ele, o modelo tradicional de educação é uma barreira para o progresso da ciência, que precisa ser removida desde os níveis mais elementares até a formação universitária dos futuros professores e cientistas. “O método de aprendizado ativo promove o engajamento e aumenta a performance dos estudantes nas disciplinas científicas. Nossas pesquisas demonstraram que fazer o estudante encarar um problema antes de dar a resposta é um método poderoso de gerar aprendizado mais profundo”, ressalta.
            Mas para que essa educação científica, baseada em investigação e na solução de problemas seja efetivamente adotada, é preciso liderança e envolvimento profundo dos cientistas, no mundo todo. “É urgente o suporte dos cientistas aos professores”, aponta.
            Um exemplo desse suporte foi a iniciativa de criar na revista Science um espaço de comunicação com professores e estudantes – uma página online que disponibiliza artigos gratuitamente, com ferramentas especiais de explicação de termos e figuras (Science in the classroom). “A leitura de artigos científicos deveria ser parte da educação. Todos os estudantes do ensino médio deveriam estar engajados com a leitura crítica desses trabalhos e discutir a validade e credibilidade dos dados, das hipóteses e das conclusões”, disse. Atualmente, a página possui 30 artigos preparados para serem trabalhados em sala de aula.
O cientista aposta na internet como grande catalisador desse movimento pela educação científica. “É um movimento que parte de ações na internet, workshops para faculdades, vídeos com especialistas sobre como adicionar sessões de ensino ativo em sala de aula e publicações de download livre”.
            A chave desse processo parece estar na comunicação: promover maior interação entre cientistas escolas, professores e estudantes. “A informação disponível é abundante. Não tem desculpa para cientistas e professores não encontrarem maneiras melhores de ensinar ciência. Antigamente, não existiam as oportunidades que temos hoje. Não sabemos ainda exatamente como deve ser essa nova educação da ciência, mas certamente precisamos desenvolvê-la. E parceria é a palavra chave. É um desafio para todos, mas precisamos nos aventurar”, declarou.

Exemplo brasileiro
            Paulo Beirão, diretor de CT&I da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e professor do Instituto de Bioquímica e Imunologia da UFMG, falou sobre a iniciativa do departamento de inserir, desde 1987, projetos experimentais no currículo do programa. “Existe uma diferença fundamental entre um estudo desenvolvido mecanicamente e um projeto em que o estudante esteja intelectualmente engajado”, disse.
            O projeto de modificar o método de ensino, que implicava em abandonar paulatinamente protocolos acadêmicos,  foi desenvolvido aos poucos. Primeiro, eles experimentaram propor mais atividades que fizessem pensar mais, nas quais os professores atuariam apenas como orientadores e provocadores das questões.  Ao invés de exercícios isolados, os alunos trabalhavam em projetos experimentais. “Hoje, são os próprios estudantes que propõem as investigações”, conta.
            O desenvolvimento desses projetos envolve discussões em grupo, compartilhamento de conhecimento e problemas, o que vem promovendo, entre outras habilidades, espírito de equipe, criatividade e atitude de resolução de problemas. “O mais importante nessa mudança é o professor estar pronto para sair de sua zona de conforto e arriscar novos métodos”, pontuou.
            A sessão foi dedicada ao médico e pesquisador brasileiro Leopoldo Meis, que faleceu em dezembro de 2014. A partir de 1985, Meis começou a dedicar-se à educação científica de crianças de escolas públicas das periferias do Rio de Janeiro. O cientista criou um programa de férias no qual os alunos eram convidados a fazer experimentos nos laboratórios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e os melhores eram convidados a continuar trabalhando ali. O trabalho foi replicado em todo o País e deu origem à Rede Nacional de Educação e Ciência, que hoje compreende 39 grupos e 23 instituições.

O evento
            O 44º Encontro Anual da SBBq e 23º Congresso da IUBMB acontece de 24 a 28 de agosto em Foz do Iguaçu (PR). Com mais de 2700 pesquisadores inscritos, 60% deles mulheres, oriundos de 52 países, de acordo com o último levantamento divulgado na assembleia geral da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular, ontem, 25. O evento conta com a participação de quatro cientistas laureados com o Nobel de química: Tom Steitz, Martin Chalfie, Kurt Wuthrich e Johann Deisenhofer. No total, o Congresso terá 41 sessões de palestras e simpósios, além de workshops, seminários técnicos e apresentação de pôsteres.
            A programação completa está disponível no site da SBBq, www.sbbq.org.br, e também em formato de aplicativo para celulares, gratuito tanto para IOS quanto para Android.
(Daniela Klebis/Jornal da Ciência)