sábado, 14 de novembro de 2015

Semiárido cearense tem escolas públicas com nível de países ricos


FÁBIO TAKAHASHI, enviado especial à Sobral (CE), Folha de São Paulo, 12/11/2015.

          Os alunos da escola Massilon Sabóia moram em assentamentos ou em pequenos vilarejos do semiárido cearense. É no colégio onde muitos fazem as principais refeições, devido à baixa renda familiar. Mas é ali também onde eles conseguem resultados que chamam a atenção do meio educacional do país ao ultrapassarem o nível de aprendizagem de nações ricas.
          A escola faz parte da rede municipal de Sobral, cidade de 200 mil habitantes, a 230 km de Fortaleza. Seus 31 colégios com resultados divulgados na última avaliação do governo federal, o Ideb, tiveram notas entre 6,9 e 9 na primeira etapa do ensino fundamental, em escala de 0 a 10.
          Nessa métrica, a média dos países desenvolvidos estaria em 6, algo equivalente à educação no Reino Unido. A Massilon Sabóia, a mais distante do centro de Sobral, teve 8. A avaliação considera notas em português e matemática e taxa de estudantes aprovados.
          Em outra avaliação, divulgada neste mês, o município apareceu como o melhor do país em oportunidade de educação, que considera resultados das provas, percentual de estudantes matriculados e condições das redes (como escolaridade dos professores e experiência dos diretores).

AS AÇÕES
          Para se chegar a esses resultados, o município implementou política calcada em definição clara do que deve ser ensinado dia a dia, bonificação por resultado e autonomia a diretores (escolhidos em concursos abertos, até para quem é de fora do Estado).
          As escolas são bem conservadas, mas sem luxo. A base das aulas é o tradicional lousas-carteiras-apostilas-livros.
          "Nossa preocupação é com o arroz com feijão bem feito, sem pedagogês que não dá resultado", afirma o prefeito da cidade, Veveu Arruda (PT).
          Os estudantes passam por uma bateria de avaliações. Além das provas aplicadas pelos próprios colégios, que são no mínimo mensais, são feitas semestralmente avaliações do município, com equipes de fora do colégio. Também há os exames dos governos estadual e federal.
          O sistema visa, de um lado, indicar os alunos que estão com dificuldades. Estes passam a frequentar atividades fora do horário normal de aula, até entrarem no ritmo.
          De outro lado, os resultados norteiam a remuneração extra que professores e diretores podem receber. No caso dos docentes o valor chega a R$ 500 mensais (o salário-base da categoria é de R$ 2.000; a população ganha em média perto de R$ 1.300 mensais). Também há prêmios pagos uma vez ao ano.
          "A gratificação por desempenho é o que alimenta a vontade de continuar melhorando", afirma o diretor Osmarino Portela Ribeiro, da escola Elpídio Ribeiro da Silva, que teve o melhor desempenho do município (nota 9).
          No colégio, os estudantes do 5º ano do fundamental já chegaram ao desempenho esperado para os do 9º ano em português e matemática.
          Outra política da rede elogiado por Ribeiro é a de deixar aos diretores a prerrogativa de montar o quadro de professores. Ao fim de cada ano, eles podem retirar os que não estão rendendo (na rede pública em São Paulo, são os docentes que escolhem onde querem lecionar). "É bom, dá pressão", diz o diretor.
          A Folha conversou com pais que colocaram o filho no colégio depois de passarem por escolas particulares de Fortaleza e de São Paulo.
          "Aqui ela se desenvolve melhor", afirma o comerciante Francisco da Costa, 44, que morava na capital cearense e se mudou em 2013.
          Mesma opinião tem a podóloga Ana Lúcia Pitanga, 44, cujo filho de sete anos tem autismo leve. "Ele só se alfabetizou aqui." Eles chegaram da capital paulista neste ano.


CONTRAPONTO
          Se por um lado essa política educacional – iniciada na gestão do então prefeito Cid Gomes (1997-2005) – apresenta bons resultados em avaliações, por outro desperta debate acadêmico.
          ‘Um dos céticos é o diretor da Faculdade de Educação da Unicamp, Luiz Carlos de Freitas. "São políticas de voo de galinha. Focam no índice a ser obtido e constrangem as escolas a caminharem nesta direção. Estreitam o currículo em função do índice das disciplinas medidas", afirma.
          Boa parte do material pedagógico utilizado em Sobral tem como base a Prova Brasil, que compõe o Ideb. "É claro que se você 'ensinar para a prova', a nota vai subir. Educar, no entanto, é diferente de treinar", completa.
          Já Ilona Becskeházy, que estuda o caso de Sobral em seu doutorado na USP, diz que o município faz um "trabalho árduo", que poderia ser estendido a outras redes.
          Como empecilho para a disseminação, ela aponta a lógica da "compensação política". Mesmo Sobral sofria do problema, antes da reforma. "Havia diretora analfabeta, que assinava com o dedo. Estava ali porque era cabo eleitoral", diz o prefeito.

RECURSOS
          Para atingir todos os objetivos, a prefeitura gasta 30% do seu Orçamento com educação, pouco acima do exigido pela Constituição (25%). Recursos adicionais vêm de parcerias com fundações e governos estadual e federal.
          Parte do material pedagógico é feito pela rede, parte por empresa terceirizada. Em comum há a determinação do que deve ser ensinado a todos, diariamente.
          No caso da professora Daniele Mesquita, 23, da escola Massilon Sabóia, a missão na manhã do último dia 6 era aprimorar coesão, coerência e concisão nos textos dos estudantes do 5º ano.

          "Corremos, mas conseguimos", disse, ao fim das quatro horas de aula.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

“Não há desculpa para cientistas e professores não encontrarem maneiras melhores de ensinar ciência”, diz presidente de honra da Academia Nacional de Ciências dos EUA



            Como os cientistas podem – e devem – estabelecer parcerias com escolas, professores e estudantes para promover as qualidades da lógica científica em toda a sociedade foi tema de discussão nesta terça-feira, 25, no segundo dia do 44º Encontro Anual da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq) e 23º Congresso da União Internacional de Bioquímica e Biologia Molecular (IUBMB).
            O evento, que reúne cientistas de mais de 50 países do mundo, pesquisas de ponta e palestras com vencedores do Prêmio Nobel, questionou a maneira como a ciência vem sendo ensinada nos diversos níveis da educação básica. “Passamos anos ensinando ciência de maneira errada aos jovens, fazendo-os decorar expressões científicas”, comentou o bioquímico norte-americano Bruce Alberts, na sessão dedicada a problematizar a educação científica.
            Alberts foi editor-chefe da revista Science de 2009 a 2013 e presidente da Academia Nacional de Ciências (NAS, na sigla em inglês) por doze anos. Durante sua gestão na NAS, dedicou-se a desenvolver novos parâmetros para o ensino de ciências nos EUA, que acabaram por ser implementados em todo o país – um modelo que ele chama de “science as inquiry” (ciência como investigação).
            O princípio do método proposto por  Alberts  é justamente  fazer o estudante lidar com um problema, antes de mostrar respostas prontas. “A ciência baseada em investigação é como a ciência deveria parecer na escola”.
            O pesquisador citou como exemplo experimentos desenvolvidos com crianças de 5 anos que deveriam diferenciar pedregulhos de sementes espalhados na terra. Desde a seleção dos exemplares, passando pela observação em microscópios e, por fim, as hipóteses sobre a possibilidade de que as sementes seriam os materiais com formato regular, o processo todo foi conduzido para que elas concluíssem sozinhas. E, no momento de sugerir como verificar suas proposições, a sugestão foi a mais lógica: plantar para observar quais brotariam. “Uma criança dessa idade já é capaz de aprender a pensar cientificamente e chegar a conclusões lógicas”, observou.
            Ele conta que sua inspiração vem do conceito de “temperamento científico”, criado em 1946 pelo então primeiro ministro indiano, Jawaharlal Nehru. O termo descreve a aplicação de atitudes lógicas, como valorização da criatividade, da racionalidade, da verdade e da tolerância à vida cotidiana – “qualidades inerentes à Ciência”, afirmou Alberts.
            “Se desde crianças aprendemos a pensar cientificamente, ou seja, resolver problemas a partir de conclusões lógicas, as pessoas não seriam mais enganadas. Elas aprenderiam a rejeitar o pensamento mágico e se tornariam grandes solucionadores de problemas”, argumenta.
            Segundo ele, o modelo tradicional de educação é uma barreira para o progresso da ciência, que precisa ser removida desde os níveis mais elementares até a formação universitária dos futuros professores e cientistas. “O método de aprendizado ativo promove o engajamento e aumenta a performance dos estudantes nas disciplinas científicas. Nossas pesquisas demonstraram que fazer o estudante encarar um problema antes de dar a resposta é um método poderoso de gerar aprendizado mais profundo”, ressalta.
            Mas para que essa educação científica, baseada em investigação e na solução de problemas seja efetivamente adotada, é preciso liderança e envolvimento profundo dos cientistas, no mundo todo. “É urgente o suporte dos cientistas aos professores”, aponta.
            Um exemplo desse suporte foi a iniciativa de criar na revista Science um espaço de comunicação com professores e estudantes – uma página online que disponibiliza artigos gratuitamente, com ferramentas especiais de explicação de termos e figuras (Science in the classroom). “A leitura de artigos científicos deveria ser parte da educação. Todos os estudantes do ensino médio deveriam estar engajados com a leitura crítica desses trabalhos e discutir a validade e credibilidade dos dados, das hipóteses e das conclusões”, disse. Atualmente, a página possui 30 artigos preparados para serem trabalhados em sala de aula.
O cientista aposta na internet como grande catalisador desse movimento pela educação científica. “É um movimento que parte de ações na internet, workshops para faculdades, vídeos com especialistas sobre como adicionar sessões de ensino ativo em sala de aula e publicações de download livre”.
            A chave desse processo parece estar na comunicação: promover maior interação entre cientistas escolas, professores e estudantes. “A informação disponível é abundante. Não tem desculpa para cientistas e professores não encontrarem maneiras melhores de ensinar ciência. Antigamente, não existiam as oportunidades que temos hoje. Não sabemos ainda exatamente como deve ser essa nova educação da ciência, mas certamente precisamos desenvolvê-la. E parceria é a palavra chave. É um desafio para todos, mas precisamos nos aventurar”, declarou.

Exemplo brasileiro
            Paulo Beirão, diretor de CT&I da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e professor do Instituto de Bioquímica e Imunologia da UFMG, falou sobre a iniciativa do departamento de inserir, desde 1987, projetos experimentais no currículo do programa. “Existe uma diferença fundamental entre um estudo desenvolvido mecanicamente e um projeto em que o estudante esteja intelectualmente engajado”, disse.
            O projeto de modificar o método de ensino, que implicava em abandonar paulatinamente protocolos acadêmicos,  foi desenvolvido aos poucos. Primeiro, eles experimentaram propor mais atividades que fizessem pensar mais, nas quais os professores atuariam apenas como orientadores e provocadores das questões.  Ao invés de exercícios isolados, os alunos trabalhavam em projetos experimentais. “Hoje, são os próprios estudantes que propõem as investigações”, conta.
            O desenvolvimento desses projetos envolve discussões em grupo, compartilhamento de conhecimento e problemas, o que vem promovendo, entre outras habilidades, espírito de equipe, criatividade e atitude de resolução de problemas. “O mais importante nessa mudança é o professor estar pronto para sair de sua zona de conforto e arriscar novos métodos”, pontuou.
            A sessão foi dedicada ao médico e pesquisador brasileiro Leopoldo Meis, que faleceu em dezembro de 2014. A partir de 1985, Meis começou a dedicar-se à educação científica de crianças de escolas públicas das periferias do Rio de Janeiro. O cientista criou um programa de férias no qual os alunos eram convidados a fazer experimentos nos laboratórios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e os melhores eram convidados a continuar trabalhando ali. O trabalho foi replicado em todo o País e deu origem à Rede Nacional de Educação e Ciência, que hoje compreende 39 grupos e 23 instituições.

O evento
            O 44º Encontro Anual da SBBq e 23º Congresso da IUBMB acontece de 24 a 28 de agosto em Foz do Iguaçu (PR). Com mais de 2700 pesquisadores inscritos, 60% deles mulheres, oriundos de 52 países, de acordo com o último levantamento divulgado na assembleia geral da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular, ontem, 25. O evento conta com a participação de quatro cientistas laureados com o Nobel de química: Tom Steitz, Martin Chalfie, Kurt Wuthrich e Johann Deisenhofer. No total, o Congresso terá 41 sessões de palestras e simpósios, além de workshops, seminários técnicos e apresentação de pôsteres.
            A programação completa está disponível no site da SBBq, www.sbbq.org.br, e também em formato de aplicativo para celulares, gratuito tanto para IOS quanto para Android.
(Daniela Klebis/Jornal da Ciência)



domingo, 28 de junho de 2015

SBPC e ABC manifestam-se contra cortes no Pibid


Entidades enviam carta ao ministro da Educação e ao presidente da Capes, solicitando que eles se esforcem pela continuidade do financiamento ao programa de formação de professores em todo o País

          A SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) enviaram carta ao ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, e ao presidente da Capes, Carlos Afonso Nobre, ressaltando que estão preocupadas com os cortes de verbas no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), e do Pibid Diversidade. No documento, as entidades pedem que eles “exerçam todo o empenho e força que tiverem disponíveis para garantir que os recursos previstos para a continuidade do Pibid sejam mantidos pelo governo federal”.
          Na carta, as entidades ressaltam que estes programas são “marcos históricos para a Educação Brasileira” e que “vêm produzindo um cenário efetivo de valorização da formação de professores, de legitimação de sua atitude reflexiva, de estímulo ao comprometimento político dos futuros professores e da universidade com a escola pública”.
          Documento afirma ainda que “se confirmado o corte de verbas do Pibid, o governo estará sinalizando à sociedade que o lema Pátria Educadora não passa de um slogan sem comprometimento efetivo do Estado com a Educação Nacional”.

Veja abaixo a carta na íntegra:

Excelentíssimos Senhores
Ministro da Educação, RENATO JANINE RIBEIRO e
Presidente da Capes, CARLOS AFONSO NOBRE
          Prezados Senhores,
          A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) reconhecem a existência de uma grave situação econômica, que exige do governo federal a adoção de medidas capazes de promover os necessários ajustes das contas públicas. No entanto, o País também enfrenta outra situação grave, ainda mais aguda e de espectro mais amplo do que o econômico, que é o conjunto de deficiências do nosso sistema educacional, especialmente em seu nível básico.
          Se a fragilidade das contas públicas aflige a economia, a fragilidade do sistema educacional provoca danos profundos e de longo prazo, que afetam a sociedade brasileira como um todo, mas especialmente as camadas de menor poder aquisitivo bem como a qualidade dos recursos humanos de toda a cadeia produtiva nacional. É consenso que o aumento da qualidade do sistema educacional está intrinsecamente ligado ao aperfeiçoamento e melhoria das condições de trabalho dos professores de todos os níveis, do ensino fundamental à pós-graduação.
          Com estas constatações, ficamos alarmados com a notícia sobre o corte de verbas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), e do Pibid Diversidade. Esses programas resultaram da criação da Nova Capes, que além de coordenar o Sistema Nacional de Pós-Graduação, também assumiu a formação inicial e continuada de professores para a educação básica. Essa atribuição, que foi consolidada pelo Decreto nº 6755, de 29 de janeiro de 2009, instituiu a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica.
          Esses marcos históricos para a Educação Brasileira, que aconteceram durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do então ministro da Educação, Fernando Haddad, vêm produzindo um cenário efetivo de valorização da formação de professores, de legitimação de sua atitude reflexiva, de estímulo ao comprometimento político dos futuros professores e da universidade com a escola pública. Um dos mecanismos concretos criados pelo Pibid foi a articulação entre as instituições de ensino superior e escolas de educação básica com o intuito de formar melhores professores e contribuir com a qualidade de ensino na rede pública.
          Pela maneira como foi idealizado, estruturado e posto em funcionamento, e, principalmente, pelo ambiente profícuo que introduziu em nosso sistema de ensino, o Pibid representa uma daquelas medidas indispensáveis para que ocorram melhorias estruturais na educação brasileira. Sabemos todos: bons alunos advêm de bons professores e educação de qualidade exige educadores qualificados. É nessa direção que o Pibid caminha. Não se pode paralisá-lo, não se pode impedi-lo de atingir seus objetivos.
          Quando o governo federal propôs a fazer sua parte nos objetivos de nos transformamos em uma Pátria Educadora, a SBPC, um sem número de instituições – ligadas ou não aos temas da educação – e certamente milhões de brasileiros, viram nesse slogan um fator de estímulo, crença e renovação de esperanças de que o Brasil estava dando um passo firme rumo à superação de seu déficit educacional. Se confirmado o corte de verbas do Pibid, o governo estará sinalizando à sociedade que o lema Pátria Educadora não passa de um slogan sem comprometimento efetivo do Estado com a Educação Nacional.
          Portanto, solicitamos aos senhores que exerçam todo o empenho e força que tiverem disponíveis para garantir que os recursos previstos para a continuidade do Pibid sejam mantidos pelo governo federal, em prol do Brasil que todos almejamos.
Cordiais saudações,
HELENA B. NADER
Presidente da SBPC
JACOB PALIS

Presidente da ABC

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Ex-aluno da UVA/CE e Bolsistas de Doutorado da CAPES Criam Sistema de Apoio às Ações Científicas em Escolas Públicas



          Um grupo de bolsistas de doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) decidiu criar uma plataforma online para apoiar atividades de desenvolvimento científico em escolas públicas brasileiras. Trata-se da +Science, em que professores da rede pública de ensino enviam propostas de desenvolvimento de projetos e o grupo seleciona um doutorando para colaborar com as atividades de pesquisa. "É uma maneira de inserção e integração da ciência no cotidiano dos jovens estudantes", explica Esequiel Mesquita, um dos idealizadores da plataforma e bolsista da Capes no doutorado em Engenharia Civil na Universidade do Porto, em Portugal.
Um dos objetivos da +Science é fazer uma ponte entre os ensinos superior e médio públicos e gratuitos (Divulgação).

          Segundo o Esequiel, a plataforma não está relacionada diretamente com o tema do doutorado, mas sim à condição de bolsista da Capes. "A ideia da criação da +Science surgiu mediante as expressões populares que aconteceram no Brasil nos últimos meses, em que a população brasileira mostrou que quer uma mudança efetiva na forma como algumas coisas acontecem em nosso país. Eu e um grupo de amigos, que conheci por ocasião do doutorado no exterior, todos bolsistas da Capes, discutimos bastante sobre qual seria o nosso papel e que tipos de respostas nós poderíamos dar para a sociedade, uma vez que nossas bolsas de estudo são pagas pelos impostos arrecadados no nosso país", explica.
          Além de Esequiel, Carolina Caretti, doutoranda em Literatura pela Universidade Estadual Paulista, Eimard Nascimento, doutorando em Matemática pela Universidade de Aveiro, em Portugal, e Cristiano Reis, doutorando em Engenharia de Biossistemas pela University of Minnesota, nos Estados Unidos, formam a equipe gestora da plataforma.
          Já são 44 pesquisadores voluntários cadastrados e duas escolas cearenses participando: a Escola de Ensino Médio de Irauçuba, em Irauçuba, e a Escola Estadual de Educação Profissional José Ribeiro Damasceno, no Trairi. Além disso, três escolas do Rio Grande do Sul entraram em contato para mais informações sobre o projeto.
          Os pesquisadores voluntários são alunos brasileiros de doutorado distribuídos por diversas instituições, como Universidade de Lisboa, Universidade Federal do Paraná, Dublin Institute of Technology, Universidade de São Paulo, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Florida Institute of Technology, Aix-Marseille Université, Cornell University, University College Dublin, dentre outras.
Responsabilidade social
          O bolsista destaca o caráter de responsabilidade social da ferramenta. "De maneira nenhuma nós concordamos em estarmos sendo investidos pelo povo brasileiro sem que haja uma forma de contribuição efetiva para o desenvolvimento da ciência em nosso país durante este período. Para nós esta é uma questão que vai muito além das nossas responsabilidades enquanto profissionais em formação, é mesmo uma questão cívica. Nós acreditamos que a educação é a base mais forte em que um país pode apoiar-se para crescer e compartilhamos a ideia de que, para que a educação melhore, cada um de nós deve assumir sua responsabilidade diante do contexto social e fazer a sua parte", define Esequiel, natural da cidade de Irauçuba, no Ceará.
          De acordo com a equipe gestora da plataforma, um dos objetivos da +Science é fazer uma ponte entre os ensinos superior e médio públicos e gratuitos. "Uma vez que, em muitos casos, os pesquisadores de pós-graduação seguem seus caminhos profissionais na pesquisa acadêmica ou em empresas privadas, o que tangencia uma atuação direta no ensino público", explicam, por meio de nota. Os estudantes pretendem integrar pesquisadores financiados por órgãos governamentais às iniciativas surgidas nas escolas públicas, "de modo a não perder de vista que um dos pilares sobre o qual se assenta a universidade pública brasileira é a extensão, elemento indissociável da pesquisa e do ensino acadêmicos."

Retorno à sociedade
          Todo o trabalho é voluntário e, inicialmente, o ganho aos participantes se dá na forma de experiência ao orientarem os projetos, pois muitos dos participantes ainda não contam com vivência efetiva com o ensino. "A escola é a práxis, é onde o lema 'Pátria educadora' ganha corpo, onde o destino social e profissional dos jovens é muitas vezes definido. Além disso, este tipo de vivência também nos aproxima da rede pública do ensino e, fundamentalmente, acho que nos ajuda a cumprir um papel essencial para o desenvolvimento do Brasil: a integração dos jovens com a ciência", destacam.
          Os gestores da +Science afirmam ter consciência de serem privilegiados por poderem contar com apoio governamental para as pesquisas e, por isso, querem dar esse retorno à sociedade. A plataforma foi a forma encontrada para retribuir à população a confiança investida por meio das bolsas concedidas pelas agências de fomento. Esequiel também foi bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) durante a graduação em Engenharia Civil pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).
          "O Brasil tem um número cada vez maior de mestres e doutores, com pesquisas e produções científicas gerando impacto na indústria, na medicina, por exemplo, mas isto não necessariamente tem reflexos no ensino público, pois é pequeno o número de profissionais que se voltam para a atuação nas salas de aula. Produzir ciência e cultura com recursos públicos nos faz pensar que, de alguma maneira, o retorno à sociedade deve existir e que, se tal retorno for feito de maneira direta, toda a nossa trajetória terá valido muito mais a pena", explicam.
Já são 44 pesquisadores voluntários cadastrados e três escolas da educação básica participantes (Divulgação).
Estudos no exterior
          De acordo com Esequiel a oportunidade de realização do doutorado no exterior é uma iniciativa vitoriosa. "Já começamos a colher os frutos desse investimento, de promover a internacionalização da pesquisa brasileira e na formação de jovens pesquisadores de alto nível. Para nós bolsistas, é extremamente importante esta iniciativa da Capes, pois, além de termos uma boa formação enquanto pesquisadores e da nossa inclusão em centros de excelência em áreas que ainda não estão consolidadas no Brasil, vivenciamos diariamente as boas práticas da pesquisa científica e que, sem dúvida, serão bastante úteis para o desempenho da nossa futura função como agentes de desenvolvimento no Brasil, quando regressarmos do doutorado", conclui.

Como participar
          Os professores interessados devem preencher o formulário online com os dados da escola, grupo de alunos envolvidos e principais interesses científicos, juntamente com uma breve proposta de projeto de pesquisa, com no máximo três páginas, contendo título, grupo de trabalho (alunos e outros professores), área de concentração, introdução, objetivos, metodologia, resultados esperados, e a bibliografia.
          Os estudantes de mestrado e doutorado interessados devem preencher o formulário PhD Action com seus dados acadêmicos e principais áreas de atuação. Para realizar a inscrição é necessário confirmar a disponibilidade de 1h semanal para apoiar os grupos de pesquisas das escolas públicas brasileiras.
Acesse o site da +Science.

sábado, 9 de maio de 2015

Educação Superior Pública: em busca do direito



Artigo de Soraya Smaili, reitora da Unifesp, publicado na revista Carta Capital em 29/04/2015.

          Aqui está algo que deveríamos nos perguntar e refletir: a universidade deve ser um bem de consumo ou uma prestação de serviço por empresas privadas e com fins lucrativos?
          A realização do Fórum em Defesa da Educação Pública pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) trouxe mais um debate interessante e fundamental, o da Educação como direito. É certo que, como assegura a Constituição, a Educação é um direito do cidadão e um dever do Estado. Todos deveriam ter a oportunidade de acessá-la e ao mesmo tempo de receber uma educação de qualidade.
          Apesar de verificarmos, nos últimos anos, um aumento das possibilidades de acesso, isso não se traduziu em melhoria de qualidade ou de acesso democrático. Por isso, a defesa do aumento nos investimentos em Educação, em especial a Educação Pública, é tão premente e necessária. De fato, é a Educação que universaliza e cria isonomia de condições, independente da classe social.
          Se para a Educação básica e fundamental há o que fazer para garantir o acesso a todas as crianças em idade escolar, a situação na Educação Superior é mais difícil. Isso porque ela ainda não é considerada um direito e a garantia de acesso a todos os jovens entre 18 e 24 anos precisa caminhar rapidamente para ser alcançada.
          Ao contrário, o que verificamos mais recentemente, tem sido um ataque ao pensamento crítico, que é a base da universidade. Esse aspecto se agrava com a inclusão da educação como parte do acordo internacional do comércio, no qual a Educação Superior passou a ser considerada um serviço.
          Aqui está algo que deveríamos nos perguntar e refletir: a Educação Superior deve ser um bem de consumo ou uma prestação de serviço por empresas privadas e com fins lucrativos? O que vemos são fusões de empresas de capital externo e interno, conglomerados educacionais que compram faculdades todos os dias. Um dado alarmante desse crescimento é que os três maiores grupos privados de ensino detêm mais de 2 milhões de estudantes em nível superior.
          Por isso, queremos não só a defesa da Educação Pública. Queremos também a consolidação e a expansão do nosso projeto de Educação Superior Pública que hoje atende 1,1 milhão nas Universidades, mais de 2 milhões no ensino técnico e tecnológico, mas que poderá atender muito mais.
          Justamente porque queremos consolidar e crescer, realizamos o Fórum em Defesa da Educação Superior Pública, que reuniu excelentes especialistas e um debate aprofundado. Aprovamos um manifesto que passou a receber assinaturas de entidades, reitores, parlamentares e intelectuais preocupados com a continuidade da universidade pública e de qualidade.
          O objetivo é apenas e tão somente um: unir forças para alcançar uma universidade acessível e com padrão de qualidade aos jovens que queiram adentrá-la.
          Por isso, lançamos um Manifesto em Defesa da Educação Superior Pública que está agora sendo enviado aos Ministérios e governos Estaduais e Municipais, com um apelo: que não tenhamos cortes na Educação, pois Educação não combina com ajuste fiscal. O manifesto aceita adesões por e-mail. Esperamos que este seja o início de um Fórum permanente de valorização da Educação Pública e que a universidade cumpra o seu papel em prol da sociedade.
Leia o documento a seguir.

Manifesto em defesa da educação pública
          Com a Constituição Federal de 1988, foram determinados alguns princípios fundamentais para a educação nacional, tais como a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais para todos os níveis; a perspectiva de obrigatoriedade para o Ensino Médio e o atendimento às crianças de 0 a 6 anos na educação infantil.
          Do ponto de vista do financiamento, foi estabelecida uma política de fundos para a educação básica – inicialmente, com o Fundef, e, atualmente, com o Fundeb -, tendo sido vinculados constitucionalmente recursos para a viabilização de tal política. Do ponto de vista do atendimento, a educação básica avançou nos últimos anos, ainda que não tenha alcançado a universalização e nem superado as desigualdades regionais.
          Um dado digno de nota é que 83% do total das matrículas para este nível de ensino ocorreram na rede pública (dados de 2013). Do ponto de vista da qualidade, ainda há muito a avançar, por isso, continuamos alinhados à luta histórica por mais recursos, defendendo o cumprimento imediato dos 10% do PIB para a educação pública.
          Em relação ao ensino superior público, houve, na última década, um movimento de expansão, iniciado, em 2003, e estendido, em 2007, com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). No entanto, cinco anos depois, em 2012, o atendimento público em nível superior continuou tímido: dos 7,2 milhões de alunos matriculados em cursos de graduação, 73,4% estavam em instituições privadas; 15,2% em federais, 8,8% em estaduais e 2,6% em municipais.
          Os desafios da democratização do acesso à educação superior de qualidade ainda estão longe de serem alcançados. Uma das metas do atual Plano Nacional de Educação é a de elevar a taxa de matrícula para 33% da população de 18 a 24 anos e assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público.
          Para além da expansão quantitativa, é fundamental a defesa da qualidade do ensino superior, assim como a garantia de recursos adicionais de custeio proporcionais à expansão já alcançada, ampliando ações afirmativas e de assistência estudantil.
          Infelizmente, entre 2013 e 2014, houve um ponto de inflexão nas políticas do governo federal para a educação superior pública, com o fim do Programa Reuni e a ausência de novas diretrizes para a consolidação e expansão das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).
          Concomitantemente, houve a criação ou ampliação de programas de incentivo ao ensino privado, tais como o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e a alteração e flexibilização das regras do Fundo do Financiamento Estudantil (Fies). Para efeito de comparação no orçamento de 2015, somente para empréstimos do Fies, estão previstos R$ 15 bilhões e o orçamento de custeio básico de todas as universidades federais do país, em 2014, foi muito inferior, de R$ 2,4 bilhões.
          Em 2015, as dificuldades na aprovação do orçamento no Congresso Nacional e a política de ajuste das contas públicas do governo federal produziram uma redução na liberação de recursos para as IFES, o que prejudicou o desenvolvimento adequado das atividades básicas de ensino, pesquisa e extensão.
          As universidades públicas, entre elas as federais, são as principais responsáveis pela produção de conhecimento no Brasil. Desempenham um papel chave no debate de ideias, na discussão pública e na formação democrática dos jovens estudantes. Ocupam, por isso, um lugar de destaque no desenvolvimento do país e na vida da população.
          Nesse contexto, ganha importância estratégica a definição de uma política de Estado que permita o fortalecimento da educação como um todo, e em particular a consolidação e a expansão das IFES no país, estabelecendo metas e prazos e, fundamentalmente, com compromisso por parte do governo federal de garantir os recursos humanos e financeiros necessários ao cumprimento dessa política. Nos colocamos a disposição para atingir o objetivo de transformar o Brasil em “Pátria educadora”.
          Precisamos, portanto, que o governo federal:
  • Libere urgentemente e sem cortes o orçamento do MEC de 2015;
  • Acelere a aplicação dos 10% do PIB na educação pública;
  • Defina uma política de Estado sobre consolidação e expansão com qualidade do ensino público superior;
  • Aumente as verbas para a pesquisa científica, tecnológica e em humanidades;
  • Encaminhe, e lute pela aprovação junto ao Congresso Nacional, uma proposta de criação de novas vagas para professores e técnicos administrativos em educação;
  • Garanta auxílios e assistência estudantil com ampliação das verbas do PNAES e de outras políticas de assistência.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Capes aprova criação do PROFQUI, mestrado profissional em rede para professores de Química


Curso terá coordenação da UFRJ e participação de várias universidades pelo país com o objetivo de beneficiar o professor do ensino fundamental e médio.


         A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), órgão ligado ao Ministério da Educação, aprovou no mês passado o Profqui, um programa de mestrado profissional em Química, para professores do ensino fundamental e médio. A ação segue os moldes do bem-sucedido Profmat, aprovado em 2010 e iniciado em 2011, e que hoje beneficia professores em todos os estados do Brasil.
         O projeto e o programa foram discutidos intensamente pela comunidade Química, com o envolvimento direto de profissionais de diversas áreas que ao longo de vários meses contribuíram efetivamente para o enriquecimento e consolidação do modelo final, que foi recentemente aprovado pela CAPES. É importante salientar o papel da SBQ na condução democrática deste complexo processo, fundamental para o êxito de sua aprovação. A SBQ não coordenará o Profqui, por não ser uma instituição de ensino superior, o que é requerido de acordo com as normas regimentais, mas participará ativamente do conselho gestor com 3 representantes. A coordenação ficará a cargo do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que foi escolhida entre as instituições que se candidataram.
         "A ideia é beneficiar professores que estão dando aula, sem que precisem parar de lecionar", afirma Claudia Rezende, professora do Instituto de Química da UFRJ, que participou do grupo que vem elaborando o Profqui junto à Capes. "Esperamos trilhar o caminho de sucesso do mestrado profissional em Matemática, que hoje conta com cerca de 80 instituições de ensino participantes", explica a professora.
         O Profqui é um mestrado em rede. Isso significa que haverá uma ementa única e uma instituição coordenadora, e a rede de instituições participantes seguirá essas diretrizes. Como qualquer mestrado, terá duração de dois anos em que os alunos cursarão as disciplinas e produzirão uma monografia a ser defendida ao final. E, ao contrário dos mestrados acadêmicos, os alunos não devem parar de trabalhar durante este período.
         "Em última análise, o Profqui vai beneficiar toda a rede de ensino, porque o professor se qualifica com um olhar de sala de aula, e pode aplicar imediatamente o conteúdo no seu dia-a-dia", observa Claudia Rezende, que destacou o trabalho dos professores envolvidos na elaboração do curso.
         Para o professor Vitor Francisco Ferreira (UFF), ex-presidente da SBQ e membro do Conselho Consultivo da entidade, a aprovação do Profqui é um passo importante no aprimoramento do ensino desta ciência no Brasil. "Houve muita conversa internamente para formar a rede de universidades participantes e escolher a universidade coordenadora. Já temos 20 instituições que aderiram, e esse número deverá crescer ao longo do tempo", conta Vitor Ferreira.
         A Capes ainda informará quantas bolsas serão concedidas para participantes – a intenção é beneficiar principalmente professores do ensino público.
         O professor Waldmir Araujo Neto, representante do núcleo de Educação à Distância, da UFRJ, explica que o Profqui utilizará também ferramentas tecnológicas em suas ações curriculares. Além da plataforma Moodle, teremos o recurso da produção de vídeos com autoria. Os professores do curso em cada universidade participante poderão produzir seus vídeos de forma a adaptar o conteúdo do Profqui às diferentes realidades locais, e essas modalidades poderão ser compartilhadas pela rede", explica Araújo. "O Profqui é arrojado, e temos uma expectativa muito grande neste cenário de como cada instituição participante entende que o ensino de Química pode ser trabalhado."
         Conheça o Profmat, referência de mestrado profissional para professores no Brasil: http://www.profmat-sbm.org.br/ 
Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Ministro defende intervenção no ensino e mudança radical dos currículos


Proposta preliminar de Mangabeira Unger para o projeto “Pátria Educadora” inclui nova divisão de recursos da educação e carreira única para professores de todo o País

          O ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Roberto Mangabeira Unger, apresentou, em audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, uma proposta preliminar que prevê alterações profundas no sistema de ensino brasileiro. Ele disse ter sido incumbido de formular a proposta pela presidente Dilma Rousseff, dentro do projeto “Pátria Educadora”. “Este é um projeto de Estado e é a prioridade número um da presidente”, disse.
          A proposta de Mangabeira prevê uma intervenção na educação, principalmente na qualidade das escolas de municípios com fraco desempenho. Ele chama isso de “cooperação federativa”. “Tudo em matéria de educação passa pelo federalismo cooperativo, que é a maneira de organizar a cooperação entre governo federal, estados e municípios”, explicou.
Ele propõe mudanças na divisão de recursos para União, estados e municípios, e a transferência de investimentos para lugares com ensino deficiente a partir da avaliação de órgãos colegiados inspirados no Sistema Único de Saúde (SUS). Isso seria feito por meio de um órgão que teria a participação dos três entes federativos, com a missão de identificar os problemas regionais e intervir para que a qualidade do ensino aumente.
          O plano de Mangabeira prevê ainda uma alteração radical nos currículos escolares, a adoção de uma carreira nacional para os professores, mudança no processo de formação de docentes e na forma de escolha de diretores de escolas baseada em mérito.

Currículo
          Mangabeira Unger fez críticas ao ensino tradicional. “A tradição no Brasil é de enciclopedismo raso. É um decoreba. Como se o melhor aluno fosse aquele que conseguisse decorar a enciclopédia. Esse modelo briga com os pendores dos brasileiros, não é nossa natureza. O Brasil é uma anarquia criadora”, disse.
          A proposta da Secretaria de Assuntos Estratégicos sugere mudança em todos os currículos, com menos conteúdos e maior profundidade no ensino. “É uma maneira de desenvolver as capacitações analíticas. Aprende-se criticando e criando”, explicou. “Profundidade conta mais que abrangência. Temos que enxugar o currículo.”

Recursos
          Ele também propõe a extensão do período escolar, além do aumento da qualidade do ensino, e para isso ele sugere uma nova divisão dos recursos e das atribuições dos entes federados para a implantação de um sistema nacional de ensino, em especial a transferência de recursos dos lugares mais ricos para lugares mais pobres. Ele admitiu a criação de um novo fundo para isso.
          “O Fundeb (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico) tem sentido apenas levemente distribuidor. Ele ajuda a elevar os estados mais carentes a um patamar mínimo. Mas estamos discutindo agora formas de fortalecer esse sentido distribuidor. Ou dentro do Fundeb ou dentro dos recursos do FNDE ou definindo, no futuro, um terceiro fundo”, disse.

Diretores
          O ministro defendeu a criação de centros regionais de formação de diretores de escola e afirmou ser contra a seleção apenas mediante eleição. “Diretores são muito importantes. Eles teriam que ser escolhidos entre os mais qualificados. A qualificação tem que ser o primeiro critério, mesmo que o segundo seja o processo eletivo”, disse.
          A proposta prevê também que os professores tenham dedicação exclusiva a apenas uma escola e que não ensinem apenas uma disciplina, mas várias disciplinas dentro de uma área.

Piso salarial
          Mangabeira Unger quer ainda mudança na formação de professores, com uma carreira nacional e a adoção de um piso nacional salarial que permita a progressão funcional. “A ideia é propor aos estados diretrizes de uma carreira comum, nacional, e essa carreira tem que ser vinculada ao piso salarial nacional, definido de modo a respeitar as diferenças regionais e a permitir uma progressão dentro da carreira”, disse.
          Ao responder pergunta da deputada professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), autora do requerimento da audiência pública, ele disse que a discussão do piso salarial não pode superar a da carreira. Segundo a deputada, muitos estados não estão cumprindo o piso por falta de recursos.
          “Há um perigo a enfrentar em relação ao piso. Não podemos permitir que a questão maior, da carreira nacional, seja inibida pelo piso. O piso é um tema menor. O importante deve ser a carreira e não o piso”, disse.
(Antonio Vital / Agência Câmara Notícias)

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Fuga de professores


Maioria dos alunos que ingressam em licenciaturas de física, biologia, matemática e química não conclui o curso

         Ao investigar a base de dados do Censo da Educação Superior no Brasil, a pesquisadora Rachel Pereira Rabelo descobriu um dado inédito e preocupante: dos alunos que ingressaram em 2009 nos cursos de licenciatura em física, biologia, matemática e química, apenas uma minoria consegue concluir o curso. A situação mais preocupante está em física, onde somente um em cada cinco (21%) estudantes obtém o diploma. Em matemática e química, a relação é de apenas um em cada três universitários (34% em ambos os cursos). Em biologia, a taxa é de 43%.
       Os dados constam de sua dissertação de mestrado na Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. Rachel, que é também servidora do Inep (instituto vinculado ao MEC responsável pelas avaliações e censos educacionais), conseguiu trabalhar pela primeira vez com dados longitudinais dos estudantes, ou seja, pôde acompanhar até 2013 a trajetória de uma mesma geração de alunos que ingressou nesses cursos cinco anos antes. Isso só foi possível porque, a partir de 2009, os dados do censo permitiram identificar cada universitário em todo o seu percurso acadêmico.
       Além de uma minoria de alunos conseguir se diplomar nessas licenciaturas, a tese mostra que, desses poucos que se formam, a maioria, uma vez no mercado de trabalho, acaba desistindo da profissão e migra para outras ocupações, possivelmente em busca de melhores salários.
        O olhar de Rachel para essas quatro licenciaturas se justifica porque elas estão entre as de maior déficit de professores em sala de aula. A tese mostra que somente 20% dos profissionais que dão aulas de física no país possuem formação adequada para esta disciplina. Esses percentuais são um pouco maiores nos casos de química (35%), biologia (52%) e matemática (64%).
    Outro dado que revela o tamanho do problema nessas áreas é o percentual de alunos na educação básica que não tiveram professores nessas disciplinas. Em 2013, de acordo com o Censo Escolar, um terço das turmas do ensino médio não tiveram docentes de biologia (33%), química (35%) ou física (36%) para dar aulas. Em matemática, a proporção foi de 25%.
      Ou seja, uma parcela nada desprezível de nossos jovens têm formação precária nessas disciplinas porque sequer havia professor com titulação adequada para dar aulas.
      O problema não é novo, e, nos últimos anos, o Ministério da Educação tentou combatê-lo estimulando a criação de novos cursos ou tentando atrair mais alunos para essas áreas de formação de professor, oferecendo bolsas e outros incentivos tanto para professores já em atuação, mas com formação inadequada, quanto para novos alunos que pretendem seguir a carreira docente.
     Esse esforço, até agora, tem se mostrado insuficiente para dar conta do desafio. Com base nas taxas de ingresso, conclusão, e em componentes demográficos e do mercado de trabalho, Rachel fez projeções do número de professores em sala de aula até 2028. Elas indicam que o problema é mais preocupante em física e matemática, pois, mesmo no cenário mais otimista, a estimativa é de que chegaremos em 2028 com um número menor de professores até do que o verificado hoje nessas duas áreas.
       Ao fim, a conclusão do estudo é de que seria muito mais eficiente desenvolver políticas para evitar a evasão nesses cursos do que priorizar a ampliação do número de vagas. É como se estivéssemos insistindo em colocar mais água numa banheira com vazamentos por todos os lados.