sábado, 9 de maio de 2015

Educação Superior Pública: em busca do direito



Artigo de Soraya Smaili, reitora da Unifesp, publicado na revista Carta Capital em 29/04/2015.

          Aqui está algo que deveríamos nos perguntar e refletir: a universidade deve ser um bem de consumo ou uma prestação de serviço por empresas privadas e com fins lucrativos?
          A realização do Fórum em Defesa da Educação Pública pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) trouxe mais um debate interessante e fundamental, o da Educação como direito. É certo que, como assegura a Constituição, a Educação é um direito do cidadão e um dever do Estado. Todos deveriam ter a oportunidade de acessá-la e ao mesmo tempo de receber uma educação de qualidade.
          Apesar de verificarmos, nos últimos anos, um aumento das possibilidades de acesso, isso não se traduziu em melhoria de qualidade ou de acesso democrático. Por isso, a defesa do aumento nos investimentos em Educação, em especial a Educação Pública, é tão premente e necessária. De fato, é a Educação que universaliza e cria isonomia de condições, independente da classe social.
          Se para a Educação básica e fundamental há o que fazer para garantir o acesso a todas as crianças em idade escolar, a situação na Educação Superior é mais difícil. Isso porque ela ainda não é considerada um direito e a garantia de acesso a todos os jovens entre 18 e 24 anos precisa caminhar rapidamente para ser alcançada.
          Ao contrário, o que verificamos mais recentemente, tem sido um ataque ao pensamento crítico, que é a base da universidade. Esse aspecto se agrava com a inclusão da educação como parte do acordo internacional do comércio, no qual a Educação Superior passou a ser considerada um serviço.
          Aqui está algo que deveríamos nos perguntar e refletir: a Educação Superior deve ser um bem de consumo ou uma prestação de serviço por empresas privadas e com fins lucrativos? O que vemos são fusões de empresas de capital externo e interno, conglomerados educacionais que compram faculdades todos os dias. Um dado alarmante desse crescimento é que os três maiores grupos privados de ensino detêm mais de 2 milhões de estudantes em nível superior.
          Por isso, queremos não só a defesa da Educação Pública. Queremos também a consolidação e a expansão do nosso projeto de Educação Superior Pública que hoje atende 1,1 milhão nas Universidades, mais de 2 milhões no ensino técnico e tecnológico, mas que poderá atender muito mais.
          Justamente porque queremos consolidar e crescer, realizamos o Fórum em Defesa da Educação Superior Pública, que reuniu excelentes especialistas e um debate aprofundado. Aprovamos um manifesto que passou a receber assinaturas de entidades, reitores, parlamentares e intelectuais preocupados com a continuidade da universidade pública e de qualidade.
          O objetivo é apenas e tão somente um: unir forças para alcançar uma universidade acessível e com padrão de qualidade aos jovens que queiram adentrá-la.
          Por isso, lançamos um Manifesto em Defesa da Educação Superior Pública que está agora sendo enviado aos Ministérios e governos Estaduais e Municipais, com um apelo: que não tenhamos cortes na Educação, pois Educação não combina com ajuste fiscal. O manifesto aceita adesões por e-mail. Esperamos que este seja o início de um Fórum permanente de valorização da Educação Pública e que a universidade cumpra o seu papel em prol da sociedade.
Leia o documento a seguir.

Manifesto em defesa da educação pública
          Com a Constituição Federal de 1988, foram determinados alguns princípios fundamentais para a educação nacional, tais como a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais para todos os níveis; a perspectiva de obrigatoriedade para o Ensino Médio e o atendimento às crianças de 0 a 6 anos na educação infantil.
          Do ponto de vista do financiamento, foi estabelecida uma política de fundos para a educação básica – inicialmente, com o Fundef, e, atualmente, com o Fundeb -, tendo sido vinculados constitucionalmente recursos para a viabilização de tal política. Do ponto de vista do atendimento, a educação básica avançou nos últimos anos, ainda que não tenha alcançado a universalização e nem superado as desigualdades regionais.
          Um dado digno de nota é que 83% do total das matrículas para este nível de ensino ocorreram na rede pública (dados de 2013). Do ponto de vista da qualidade, ainda há muito a avançar, por isso, continuamos alinhados à luta histórica por mais recursos, defendendo o cumprimento imediato dos 10% do PIB para a educação pública.
          Em relação ao ensino superior público, houve, na última década, um movimento de expansão, iniciado, em 2003, e estendido, em 2007, com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). No entanto, cinco anos depois, em 2012, o atendimento público em nível superior continuou tímido: dos 7,2 milhões de alunos matriculados em cursos de graduação, 73,4% estavam em instituições privadas; 15,2% em federais, 8,8% em estaduais e 2,6% em municipais.
          Os desafios da democratização do acesso à educação superior de qualidade ainda estão longe de serem alcançados. Uma das metas do atual Plano Nacional de Educação é a de elevar a taxa de matrícula para 33% da população de 18 a 24 anos e assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público.
          Para além da expansão quantitativa, é fundamental a defesa da qualidade do ensino superior, assim como a garantia de recursos adicionais de custeio proporcionais à expansão já alcançada, ampliando ações afirmativas e de assistência estudantil.
          Infelizmente, entre 2013 e 2014, houve um ponto de inflexão nas políticas do governo federal para a educação superior pública, com o fim do Programa Reuni e a ausência de novas diretrizes para a consolidação e expansão das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).
          Concomitantemente, houve a criação ou ampliação de programas de incentivo ao ensino privado, tais como o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e a alteração e flexibilização das regras do Fundo do Financiamento Estudantil (Fies). Para efeito de comparação no orçamento de 2015, somente para empréstimos do Fies, estão previstos R$ 15 bilhões e o orçamento de custeio básico de todas as universidades federais do país, em 2014, foi muito inferior, de R$ 2,4 bilhões.
          Em 2015, as dificuldades na aprovação do orçamento no Congresso Nacional e a política de ajuste das contas públicas do governo federal produziram uma redução na liberação de recursos para as IFES, o que prejudicou o desenvolvimento adequado das atividades básicas de ensino, pesquisa e extensão.
          As universidades públicas, entre elas as federais, são as principais responsáveis pela produção de conhecimento no Brasil. Desempenham um papel chave no debate de ideias, na discussão pública e na formação democrática dos jovens estudantes. Ocupam, por isso, um lugar de destaque no desenvolvimento do país e na vida da população.
          Nesse contexto, ganha importância estratégica a definição de uma política de Estado que permita o fortalecimento da educação como um todo, e em particular a consolidação e a expansão das IFES no país, estabelecendo metas e prazos e, fundamentalmente, com compromisso por parte do governo federal de garantir os recursos humanos e financeiros necessários ao cumprimento dessa política. Nos colocamos a disposição para atingir o objetivo de transformar o Brasil em “Pátria educadora”.
          Precisamos, portanto, que o governo federal:
  • Libere urgentemente e sem cortes o orçamento do MEC de 2015;
  • Acelere a aplicação dos 10% do PIB na educação pública;
  • Defina uma política de Estado sobre consolidação e expansão com qualidade do ensino público superior;
  • Aumente as verbas para a pesquisa científica, tecnológica e em humanidades;
  • Encaminhe, e lute pela aprovação junto ao Congresso Nacional, uma proposta de criação de novas vagas para professores e técnicos administrativos em educação;
  • Garanta auxílios e assistência estudantil com ampliação das verbas do PNAES e de outras políticas de assistência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário