Artigo de Soraya Smaili, reitora da Unifesp, publicado
na revista Carta Capital em 29/04/2015.
Aqui está algo que deveríamos nos
perguntar e refletir: a universidade deve ser um bem de consumo ou uma
prestação de serviço por empresas privadas e com fins lucrativos?
A realização do Fórum em Defesa da
Educação Pública pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) trouxe mais
um debate interessante e fundamental, o da Educação como direito. É certo que,
como assegura a Constituição, a Educação é um direito do cidadão e um dever do
Estado. Todos deveriam ter a oportunidade de acessá-la e ao mesmo tempo de
receber uma educação de qualidade.
Apesar de verificarmos, nos últimos
anos, um aumento das possibilidades de acesso, isso não se traduziu em melhoria
de qualidade ou de acesso democrático. Por isso, a defesa do aumento nos
investimentos em Educação, em especial a Educação Pública, é tão premente e
necessária. De fato, é a Educação que universaliza e cria isonomia de
condições, independente da classe social.
Se para a Educação básica e
fundamental há o que fazer para garantir o acesso a todas as crianças em idade
escolar, a situação na Educação Superior é mais difícil. Isso porque ela ainda
não é considerada um direito e a garantia de acesso a todos os jovens entre 18
e 24 anos precisa caminhar rapidamente para ser alcançada.
Ao contrário, o que verificamos mais
recentemente, tem sido um ataque ao pensamento crítico, que é a base da
universidade. Esse aspecto se agrava com a inclusão da educação como parte do
acordo internacional do comércio, no qual a Educação Superior passou a ser
considerada um serviço.
Aqui está algo que deveríamos nos
perguntar e refletir: a Educação Superior deve ser um bem de consumo ou uma
prestação de serviço por empresas privadas e com fins lucrativos? O que vemos
são fusões de empresas de capital externo e interno, conglomerados educacionais
que compram faculdades todos os dias. Um dado alarmante desse crescimento é que
os três maiores grupos privados de ensino detêm mais de 2 milhões de estudantes
em nível superior.
Por isso, queremos não só a defesa da
Educação Pública. Queremos também a consolidação e a expansão do nosso projeto
de Educação Superior Pública que hoje atende 1,1 milhão nas Universidades, mais
de 2 milhões no ensino técnico e tecnológico, mas que poderá atender muito
mais.
Justamente porque queremos consolidar
e crescer, realizamos o Fórum em Defesa da Educação Superior Pública, que
reuniu excelentes especialistas e um debate aprofundado. Aprovamos um manifesto
que passou a receber assinaturas de entidades, reitores, parlamentares e
intelectuais preocupados com a continuidade da universidade pública e de
qualidade.
O objetivo é apenas e tão somente um:
unir forças para alcançar uma universidade acessível e com padrão de qualidade
aos jovens que queiram adentrá-la.
Por
isso, lançamos um Manifesto em Defesa da Educação Superior Pública que está
agora sendo enviado aos Ministérios e governos Estaduais e Municipais, com um
apelo: que não tenhamos cortes na Educação, pois Educação não combina com
ajuste fiscal. O manifesto aceita adesões por e-mail. Esperamos que este seja o início de
um Fórum permanente de valorização da Educação Pública e que a universidade
cumpra o seu papel em prol da sociedade.
Leia o
documento a seguir.
Manifesto
em defesa da educação pública
Com a Constituição Federal de 1988,
foram determinados alguns princípios fundamentais para a educação nacional,
tais como a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais para
todos os níveis; a perspectiva de obrigatoriedade para o Ensino Médio e o
atendimento às crianças de 0 a 6 anos na educação infantil.
Do ponto de vista do financiamento,
foi estabelecida uma política de fundos para a educação básica – inicialmente,
com o Fundef, e, atualmente, com o Fundeb -, tendo sido vinculados
constitucionalmente recursos para a viabilização de tal política. Do ponto de
vista do atendimento, a educação básica avançou nos últimos anos, ainda que não
tenha alcançado a universalização e nem superado as desigualdades regionais.
Um dado digno de nota é que 83% do
total das matrículas para este nível de ensino ocorreram na rede pública (dados
de 2013). Do ponto de vista da qualidade, ainda há muito a avançar, por isso,
continuamos alinhados à luta histórica por mais recursos, defendendo o
cumprimento imediato dos 10% do PIB para a educação pública.
Em relação ao ensino superior público,
houve, na última década, um movimento de expansão, iniciado, em 2003, e
estendido, em 2007, com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão
das Universidades Federais (Reuni). No entanto, cinco anos depois, em 2012, o
atendimento público em nível superior continuou tímido: dos 7,2 milhões de
alunos matriculados em cursos de graduação, 73,4% estavam em instituições
privadas; 15,2% em federais, 8,8% em estaduais e 2,6% em municipais.
Os desafios da democratização do
acesso à educação superior de qualidade ainda estão longe de serem alcançados.
Uma das metas do atual Plano Nacional de Educação é a de elevar a taxa de
matrícula para 33% da população de 18 a 24 anos e assegurada a qualidade da
oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento
público.
Para além da expansão quantitativa, é
fundamental a defesa da qualidade do ensino superior, assim como a garantia de
recursos adicionais de custeio proporcionais à expansão já alcançada, ampliando
ações afirmativas e de assistência estudantil.
Infelizmente, entre 2013 e 2014, houve
um ponto de inflexão nas políticas do governo federal para a educação superior
pública, com o fim do Programa Reuni e a ausência de novas diretrizes para a
consolidação e expansão das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).
Concomitantemente, houve a criação ou
ampliação de programas de incentivo ao ensino privado, tais como o Programa Universidade
para Todos (Prouni), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
(Pronatec) e a alteração e flexibilização das regras do Fundo do Financiamento
Estudantil (Fies). Para efeito de comparação no orçamento de 2015, somente para
empréstimos do Fies, estão previstos R$ 15 bilhões e o orçamento de custeio
básico de todas as universidades federais do país, em 2014, foi muito inferior,
de R$ 2,4 bilhões.
Em 2015, as dificuldades na aprovação
do orçamento no Congresso Nacional e a política de ajuste das contas públicas
do governo federal produziram uma redução na liberação de recursos para as
IFES, o que prejudicou o desenvolvimento adequado das atividades básicas de
ensino, pesquisa e extensão.
As universidades públicas, entre elas
as federais, são as principais responsáveis pela produção de conhecimento no
Brasil. Desempenham um papel chave no debate de ideias, na discussão pública e
na formação democrática dos jovens estudantes. Ocupam, por isso, um lugar de
destaque no desenvolvimento do país e na vida da população.
Nesse contexto, ganha importância
estratégica a definição de uma política de Estado que permita o fortalecimento
da educação como um todo, e em particular a consolidação e a expansão das IFES
no país, estabelecendo metas e prazos e, fundamentalmente, com compromisso por
parte do governo federal de garantir os recursos humanos e financeiros
necessários ao cumprimento dessa política. Nos colocamos a disposição para
atingir o objetivo de transformar o Brasil em “Pátria educadora”.
Precisamos, portanto, que o governo
federal:
- Libere
urgentemente e sem cortes o orçamento do MEC de 2015;
- Acelere
a aplicação dos 10% do PIB na educação pública;
- Defina
uma política de Estado sobre consolidação e expansão com qualidade do
ensino público superior;
- Aumente
as verbas para a pesquisa científica, tecnológica e em humanidades;
- Encaminhe,
e lute pela aprovação junto ao Congresso Nacional, uma proposta de criação
de novas vagas para professores e técnicos administrativos em educação;
- Garanta
auxílios e assistência estudantil com ampliação das verbas do PNAES e de
outras políticas de assistência.
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