quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Unificação de disciplinas deve aumentar déficit de professores

Especialistas da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) avaliam que a unificação das disciplinas do ensino médio, em quatro grandes áreas, conforme anunciado recentemente pelo Ministério da Educação (MEC), deve aumentar o déficit de professores no Brasil.

Isso porque, avalia o físico Luiz Davidovich, diretor da ABC, a mudança cria automaticamente demandas por outras disciplinas. Isto é, a necessidade de professores preparados para as novas atividades curriculares, como ciências da natureza, exatamente em um momento em que o Brasil se depara com escassez de docentes.

Reforçando tal posição, o físico Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia e vice-presidente da SBPC, concorda que a falta de professores qualificados tende aumentar com a proposta do ministério.

A falta de professores qualificados é mais acentuada nas disciplinas de física, química e matemática. Baseado em dados do próprio ministério, do período de 2007, Candotti destacou que o déficit de professores de física hoje é estimado em 100 mil, número semelhante ao de professores de química. Já no caso de matemática, segundo Candotti, faltam 80 mil professores no País. "Desde 2007 não houve muita mudança para cá. Foram treinados muitos professores, mas o déficit ainda é muito grande", alertou Candotti.

Ao chamar de "remanejamento" a proposta de unificação das disciplinas do ensino médio, Candotti disse que essa é uma fórmula criada para resolver "a crônica deficiência" de professores, uma vez que a proposta estimula os professores a lecionar múltiplas disciplinas. "Isso vai piorar o cenário porque os professores não estão absolutamente preparados", analisou.

Ponto fora da curva - Demonstrando a mesma opinião, o educador João Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto - ONG dedicada à educação - disse que o Brasil é um único país a querer unificar as disciplinas escolares. "Nenhum país do mundo tem proposta como essa, o que deveria servir de cautela para as autoridades brasileiras", disse e alertou: "A proposta do MEC é transformar os alunos do ensino médio em cobaias de um experimento fadado ao fracasso. E, mais uma vez, os alunos, sobretudo os de menor condição, sairão prejudicados".

Segundo Oliveira, a experiência mostra que os países avançados oferecem um ensino médio diversificado: acadêmico e profissionalizante. "É lamentável que o Brasil não leve em consideração a experiência internacional, as características e as demandas do mercado de trabalho e, especialmente, as condições nas quais os jovens chegam e chegarão ao ensino médio".

Em outra frente, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), Ronald Shellard, concorda que o cenário negativo do ensino médio nacional pode ser agravado diante da integração das disciplinas. "Para os cursos de ciências, no sentido geral, não existem e nem seria possível preparar profissionais (em curto prazo). A não ser que tenhamos ementas tão genéricas que o aprendizado se tornaria inútil", analisou.

Aliás, ao contrário de pregar a generalidade nas áreas de conhecimento, Shellard considerou fundamental intensificar a formação de engenheiros e cientistas. "Engenheiros precisam de mais profundidade nos estudos de física e talvez em química. E o pessoal de saúde teria de ter mais ênfase em biologia", exemplifica.


Fonte: Jornal da Ciência

http://boletim.sbq.org.br/noticias/n617.php acesso 29/11/12

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Química Nova na Escola mostra os primeiros resultados do PIBID

 

 
    O número de novembro da revista Química Nova na Escola, da SBQ, traz edição especial sobre o PIBID, Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, que teve seu primeiro edital lançado em 2007. Doze artigos relatam experiências sobre a implantação do programa e sua assimilação por professores da universidade, estudantes de licenciatura e alunos do ensino médio, revelando um cenário positivo de mudanças. O PIBID está presente hoje em 195 instituições de ensino superior, com 288 projetos de iniciação à docência e em cerca de 4 mil escolas públicas da educação básica. De seu lançamento até 2012 foram concedidas 49.321 bolsas, segundo informações do site e da assessoria de comunicação da CAPES.
    Para o editor da QNEsc, Marcelo Giordan, chama atenção nesse primeiro balanço do PIBID da área de química a diversidade de experiências pedagógicas e a abrangência geográfica do programa, que está presente em todos os estados.
    Os artigos da edição especial mostram a preocupação dos educadores em colocar como foco dos projetos alguns dos temas tradicionalmente reconhecidos como pontos frágeis do processo educacional. Assim, o trabalho dos docentes da Universidade Federal de São João Del Rei, trata da nova proposta curricular do Estado de Minas Gerais, levando em conta a necessidade de transpor o desinteresse de alunos pelo estudo da química no ensino médio.
    O caminho para relacionar o ensino das ciências com o cotidiano e com o contexto social é abordado no projeto dos educadores da Universidade Federal de Santa Maria. Esse objetivo é atendido com a criação de oficinas temáticas que relacionam teoria e prática a partir de um tema gerador. Outro assunto da edição especial é a contribuição do PIBID para a formação profissional dos licenciandos em química (UNESP-Araraquara).
    A proposta de ampliar os espaços educativos para além da sala de aula, visão defendida por muitos educadores, é contemplada no artigo assinado pelos docentes da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Essa abertura vem sendo estimulada sobretudo pela promoção de feira de ciências, gincanas, oficinas e teatro de divulgação.
    As bolsas do PIBID têm servido, ao mesmo tempo, para explorar o uso de recursos que embora sabidamente importantes, nem sempre são utilizados dentro de uma concepção pedagógica adequada. É o caso da ferramentas audiovisuais das quais trata o artigo sobre abordagem histórica e contextualizada da produção de vidros, de autoria de educadores da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. A edição especial da Química Nova na Escola, Vol. 34, Nº 4, de Novembro de 2012, tem 124 páginas e chega aos leitores nos próximos dias.
Fonte: Carlos Martins (Assessoria de Imprensa da SBQ)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Carta da Divisão de Ensino de Química da SBQ, encaminhada ao Ministro da Educação, sobre a proposta de fusão das disciplinas de Química, Física e Biologia

Excelentíssimo Senhor
Ministro de Estado da Educação
Dr. Aloizio Mercadante
Esplanada dos Ministérios, Bloco L - Ed. Sede e Anexos, 70.047-900
Brasília / DF
 
 
Senhor Ministro,
 

            Nós professores ligados à Divisão de Ensino da Sociedade Brasileira de Química atuamos diretamente na formação de professores para o Ensino Médio e focamos grande parte de nosso esforço físico e intelectual em pesquisas e trabalhos de extensão universitária nesse nível de ensino. Desta forma, podemos afirmar que a grande razão de nosso trabalho é o ensino da Química e suas implicações no Ensino Médio.

            Nesse sentido, julgamos importante nos posicionarmos sobre a proposta em discussão na Câmara de Ensino Básico – CEB – do Ministério da Educação sobre a substituição, no Ensino Médio, das disciplinas Química, Física e Biologia por uma disciplina de Ciências da Natureza.

            Como formadores de professores estamos atentos às mudanças pelas quais o ensino vem passando nas ultimas décadas. Além disso, também somos atores nesse quadro de mudanças. Vários de nossos colegas participaram e participam de comissões como, por exemplo, as que elaboram os PARÂMETROS CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO, as ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO – Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias (Química), bem como as avaliações relacionadas ao programa nacional do livro didático para o ensino médio.

            Defendemos uma modernização no ensino por entendermos que, embora menos cômodo para o que já está estabelecido, é preciso trabalharmos numa perspectiva mais interdisciplinar e não com uma visão fragmentada em disciplinas que não dialogam entre si. É preciso mudar o atual Ensino de Química e temos atuado nesse sentido. Compartilhamos ideias de pensadores da Educação na atualidade como Morin, Boaventura de Souza Santos e outros que criticam a fragmentação do atual modelo educacional.

            A importância de se ensinar Ciências no Ensino Básico é inquestionável. Podemos e devemos discutir como e para quê ensinar ciências nesse nível. É importante salientar que países como Estados Unidos da América e Inglaterra, na época da Guerra Fria, investiram forte em projetos para o ensino das diferentes áreas das Ciências na perspectiva de formarem cientistas e ganharem a corrida espacial, armamentista e tecnológica. Porém, estudos mostraram que esses projetos não foram bem sucedidos em seus propósitos. Por isso, e por outros fatores, não é nisso que acreditamos. Entendemos que o ensino de Ciências tem, ou deveria ter propósitos, mais amplos que vão, desde a inserção crítica dos sujeitos no mundo do trabalho até o desenvolvimento intelectual dos mesmos.

            Como pesquisadores da área de Ensino de Ciências, temos clareza das dificuldades para que o ensino atinja esses objetivos. Sabemos que muito precisa ser feito para melhorar o ensino de ciências no Brasil, assim como das outras áreas de conhecimento, e trabalhamos nessa busca.

            No entanto, causa-nos estranheza a proposta em discussão na CEB porque não nos parece uma forma de melhorar o ensino. Compreendemos que, a proposta apresentada possibilitaria reverter o problema da falta de professores qualificados para ministrar as disciplinas citadas. É como derrubar uma escola que tem problemas e não conseguimos resolver. Deixamos de ter 'a escola com problema'. Acaba-se com o problema, mas, nesse caso, isso não é o correto. No caso da fusão das disciplinas eliminaríamos o problema de falta de professores dessas disciplinas, mas criamos outros.

            Não temos professores para ministrarem essas aulas de "Ciências da Natureza" no Ensino Médio. Não temos cursos de licenciaturas que formem professores com essa competência e perfil. Os professores de Química não veem estudam nada de biologia em sua graduação e vem só o básico da física que precisam para entender melhor conceitos da Química. O mesmo acontece com os professores de Física, que não estudam química nem Biologia, e com os de Biologia que não aprendem Química e Física.

            Pode-se pensar que essa é uma tendência como acontece em universidades novas que criam Departamentos e Unidades multidisciplinares, além de diversos cursos de pós-graduação multidisciplinares. No entanto, deve ficar claro que tais instituições e cursos só são possíveis porque somam as competências especificas de seus professores e pesquisadores. É a partir do conhecimento das disciplinas que se torna possível o desenvolvimento de trabalhos e projetos interdisciplinares.

            Propostas de livros didáticos e projetos curriculares de secretarias de educação que optam por essa vertente são pouco adotados pelos professores em exercício no Ensino Médio. Isso acontece não porque os professores não concordem com a necessidade de diálogo entre as disciplinas, mas porque não se sentem preparados para tal abordagem. E isso não muda por decreto governamental!

            Outro exemplo são as questões do ENEM. Elas se propõem a ser interdisciplinares, mas partem de disciplinas e muitas vezes assim ficam. As próprias competências e habilidades do documento que norteia o ENEM podem ser facilmente divididas em quais são da Química, quais são da Física e quais são da Biologia.

            Além das questões epistemológicas que apresentamos até aqui, é necessário pensamos em outras questões de cunho pratico, apresentadas a seguir.

            Quais as universidades que possuem atualmente cursos para formação de professores de Ciências para atuar no Ensino Médio? Quanto tempo elas necessitariam para formar uma nova leva de professores com esse perfil?

            Existem professores que assumiriam o desafio de ensinar mais de uma das disciplinas das Ciências? São poucos se comparados com o número total de professores das três disciplinas. Desse pequeno grupo, quantos conseguem fazê-lo com competência e quantos se esconderiam em práticas pedagógicas obsoletas que exigem a memorização de informações em detrimento de um aprendizado mais efetivo?

            O que será feito dos atuais professores das disciplinas enquanto não forem preparados para assumir a nova disciplina? Serão dispensados? Serão requalificados? Serão colocados na nova sala de aula e terão que "se virar" para atender a nova proposta ou simplesmente farão o que sempre fizeram?

            O que essa proposta traz de avanço para a qualidade do ensino? Quais são os argumentos que a justificam? Há algum exemplo internacional de tomada dessa medida? Há trabalhos acadêmicos que estudam ou estudaram essa alternativa? Há subsídios científicos que mostram a real eficácia da proposta? Se afirmativo, quais os resultados obtidos? O que foi feito para preparar a aplicação dessa mudança? Se essa ideia teve êxito em outro país, não seria interessante começar por uma avaliação piloto isenta?

            Reconhecendo as dificuldades praticas de se melhorar os índices do Ensino de Ciências no Brasil, a não aprovação dessa proposta indica outras ações que julgamos necessárias e com as quais já estamos comprometidos e buscamos apoiar:

- Investir na valorização do magistério, visto que muitos dos licenciandos formados atuam em outras áreas onde encontram melhores remunerações;

- Investir na formação inicial dos professores reforçando projetos como o Pibid, que apresenta resultados muito importantes em relação a permanência do graduando no curso de licenciatura e também em relação a valorização do professor da rede pública que também é bolsista e acaba mudando de forma bastante acentuada sua ação dentro da escola. Tal projeto está mudando o status das licenciatura em relação ao bacharelado de uma mesma instituição;

- investir na formação continuada dos professores, por meio da liberação para estudos e a concessão de bolsas, permitindo que possam se aperfeiçoar em programas de pós-graduação que visem o aprimoramento em conteúdo e metodologias de ensino.

            Na certeza de que o Governo Federal, que no Brasil democratizou o ensino em todos os níveis, está disposto a dialogar com a comunidade que faz parte dessa ação tão importante para que nosso país continue a crescer, subscrevemo-nos,

 
Atenciosamente,
 

Prof. Dr. Gerson de Souza Mól
Diretor da Divisão de Ensino – SBQ
 

Prof.a Dra. Agustina Rosa Echeverría
Vice-Diretora da Divisão de Ensino – SBQ
 

Prof. Dr. Márlon Herbert F. B. Soares
Tesoureiro da Divisão de Ensino – SBQ