Ministro de Estado da Educação
Dr. Aloizio Mercadante
Esplanada dos Ministérios, Bloco L - Ed. Sede e Anexos, 70.047-900
Brasília / DF
Nós professores ligados
à Divisão de Ensino da Sociedade Brasileira de Química atuamos diretamente na
formação de professores para o Ensino Médio e focamos grande parte de nosso
esforço físico e intelectual em pesquisas e trabalhos de extensão universitária
nesse nível de ensino. Desta forma, podemos afirmar que a grande razão de nosso
trabalho é o ensino da Química e suas implicações no Ensino Médio.
Nesse sentido, julgamos
importante nos posicionarmos sobre a proposta em discussão na Câmara de Ensino
Básico – CEB – do Ministério da Educação sobre a substituição, no Ensino Médio,
das disciplinas Química, Física e Biologia por uma disciplina de Ciências da
Natureza.
Como formadores de
professores estamos atentos às mudanças pelas quais o ensino vem passando nas
ultimas décadas. Além disso, também somos atores nesse quadro de mudanças.
Vários de nossos colegas participaram e participam de comissões como, por
exemplo, as que elaboram os PARÂMETROS CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO, as
ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO – Ciências da Natureza, Matemática
e suas Tecnologias (Química), bem como as avaliações relacionadas ao programa
nacional do livro didático para o ensino médio.
Defendemos uma
modernização no ensino por entendermos que, embora menos cômodo para o que já
está estabelecido, é preciso trabalharmos numa perspectiva mais
interdisciplinar e não com uma visão fragmentada em disciplinas que não
dialogam entre si. É preciso mudar o atual Ensino de Química e temos atuado
nesse sentido. Compartilhamos ideias de pensadores da Educação na atualidade
como Morin, Boaventura de Souza Santos e outros que criticam a fragmentação do
atual modelo educacional.
A importância de se
ensinar Ciências no Ensino Básico é inquestionável. Podemos e devemos discutir
como e para quê ensinar ciências nesse nível. É importante salientar que países
como Estados Unidos da América e Inglaterra, na época da Guerra Fria,
investiram forte em projetos para o ensino das diferentes áreas das Ciências na
perspectiva de formarem cientistas e ganharem a corrida espacial, armamentista
e tecnológica. Porém, estudos mostraram que esses projetos não foram bem
sucedidos em seus propósitos. Por isso, e por outros fatores, não é nisso que
acreditamos. Entendemos que o ensino de Ciências tem, ou deveria ter
propósitos, mais amplos que vão, desde a inserção crítica dos sujeitos no mundo
do trabalho até o desenvolvimento intelectual dos mesmos.
Como pesquisadores da
área de Ensino de Ciências, temos clareza das dificuldades para que o ensino
atinja esses objetivos. Sabemos que muito precisa ser feito para melhorar o
ensino de ciências no Brasil, assim como das outras áreas de conhecimento, e
trabalhamos nessa busca.
No entanto, causa-nos
estranheza a proposta em discussão na CEB porque não nos parece uma forma de
melhorar o ensino. Compreendemos que, a proposta apresentada possibilitaria
reverter o problema da falta de professores qualificados para ministrar as
disciplinas citadas. É como derrubar uma escola que tem problemas e não
conseguimos resolver. Deixamos de ter 'a escola com problema'. Acaba-se com o
problema, mas, nesse caso, isso não é o correto. No caso da fusão das
disciplinas eliminaríamos o problema de falta de professores dessas disciplinas,
mas criamos outros.
Não temos professores
para ministrarem essas aulas de "Ciências da Natureza" no Ensino
Médio. Não temos cursos de licenciaturas que formem professores com essa
competência e perfil. Os professores de Química não veem estudam nada de
biologia em sua graduação e vem só o básico da física que precisam para
entender melhor conceitos da Química. O mesmo acontece com os professores de
Física, que não estudam química nem Biologia, e com os de Biologia que não aprendem
Química e Física.
Pode-se pensar que essa
é uma tendência como acontece em universidades novas que criam Departamentos e
Unidades multidisciplinares, além de diversos cursos de pós-graduação
multidisciplinares. No entanto, deve ficar claro que tais instituições e cursos
só são possíveis porque somam as competências especificas de seus professores e
pesquisadores. É a partir do conhecimento das disciplinas que se torna possível
o desenvolvimento de trabalhos e projetos interdisciplinares.
Propostas de livros
didáticos e projetos curriculares de secretarias de educação que optam por essa
vertente são pouco adotados pelos professores em exercício no Ensino Médio.
Isso acontece não porque os professores não concordem com a necessidade de
diálogo entre as disciplinas, mas porque não se sentem preparados para tal
abordagem. E isso não muda por decreto governamental!
Outro exemplo são as
questões do ENEM. Elas se propõem a ser interdisciplinares, mas partem de
disciplinas e muitas vezes assim ficam. As próprias competências e habilidades
do documento que norteia o ENEM podem ser facilmente divididas em quais são da
Química, quais são da Física e quais são da Biologia.
Além das questões epistemológicas
que apresentamos até aqui, é necessário pensamos em outras questões de cunho pratico,
apresentadas a seguir.
Quais as universidades
que possuem atualmente cursos para formação de professores de Ciências para
atuar no Ensino Médio? Quanto tempo elas necessitariam para formar uma nova
leva de professores com esse perfil?
Existem professores que
assumiriam o desafio de ensinar mais de uma das disciplinas das Ciências? São
poucos se comparados com o número total de professores das três disciplinas.
Desse pequeno grupo, quantos conseguem fazê-lo com competência e quantos se
esconderiam em práticas pedagógicas obsoletas que exigem a memorização de
informações em detrimento de um aprendizado mais efetivo?
O que será feito dos
atuais professores das disciplinas enquanto não forem preparados para assumir a
nova disciplina? Serão dispensados? Serão requalificados? Serão colocados na
nova sala de aula e terão que "se virar" para atender a nova proposta
ou simplesmente farão o que sempre fizeram?
O que essa proposta
traz de avanço para a qualidade do ensino? Quais são os argumentos que a
justificam? Há algum exemplo internacional de tomada dessa medida? Há trabalhos
acadêmicos que estudam ou estudaram essa alternativa? Há subsídios científicos
que mostram a real eficácia da proposta? Se afirmativo, quais os resultados
obtidos? O que foi feito para preparar a aplicação dessa mudança? Se essa ideia
teve êxito em outro país, não seria interessante começar por uma avaliação
piloto isenta?
Reconhecendo as dificuldades
praticas de se melhorar os índices do Ensino de Ciências no Brasil, a não
aprovação dessa proposta indica outras ações que julgamos necessárias e com as
quais já estamos comprometidos e buscamos apoiar:
- Investir na valorização do magistério, visto que muitos dos
licenciandos formados atuam em outras áreas onde encontram melhores
remunerações;
- Investir na formação inicial dos professores reforçando projetos como
o Pibid, que apresenta resultados muito importantes em relação a permanência do
graduando no curso de licenciatura e também em relação a valorização do
professor da rede pública que também é bolsista e acaba mudando de forma
bastante acentuada sua ação dentro da escola. Tal projeto está mudando o status
das licenciatura em relação ao bacharelado de uma mesma instituição;
- investir na formação continuada dos professores, por meio da liberação
para estudos e a concessão de bolsas, permitindo que possam se aperfeiçoar em
programas de pós-graduação que visem o aprimoramento em conteúdo e metodologias
de ensino.
Na certeza de que o
Governo Federal, que no Brasil democratizou o ensino em todos os níveis, está
disposto a dialogar com a comunidade que faz parte dessa ação tão importante
para que nosso país continue a crescer, subscrevemo-nos,
Atenciosamente,
Prof. Dr. Gerson de Souza Mól
Diretor da Divisão de Ensino – SBQ
Prof.a Dra. Agustina Rosa Echeverría
Vice-Diretora da Divisão de Ensino – SBQ
Prof. Dr.
Márlon Herbert F. B. Soares
Tesoureiro da Divisão de Ensino – SBQ
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