A edição de sábado (25)
da Folha de São Paulo trouxe duas opiniões opostas sobre as propostas de
reforma do currículo do ensino médio. Confira.
Não.
Precisamos
de mais ciência, não de menos
Celso Pinto de Melo é doutor em física pela Universidade da Califórnia
em Santa Bárbara, professor da Universidade Federal de Pernambuco e presidente
da Sociedade Brasileira de Física (SBF).
Os resultados
recém-anunciados do IDEB trazem à atenção dos brasileiros a trágica realidade
de nossas escolas nos níveis fundamental e médio. Os números ali refletidos
ferem a nossa autoestima e, por alguns dias, a educação vira alvo de atenção
nacional. Debate-se, critica-se, surgem ideias milagrosas e, logo, o tema volta
ao esquecimento, para ressurgir com sazonalidade esperada quando do anúncio de
novos indicadores.
Porém, mais que seu
valor absoluto, o que importa nos números é o que eles nos querem dizer, e o
que com eles queremos fazer. Quando os espelhos nos dão conselhos, podemos
trocá-los por outros mais generosos. Ou podemos enfrentar a dor de sermos o que
somos e, a partir daí, melhorarmos.
Há de se reconhecer que
a tragédia da educação não corresponde a um acidente de percurso, sendo antes
"obra de séculos" de descaso. A escola pública de excelência dos anos
1940 e 1950 era limitada a uma fatia privilegiada de nossa população. A grande
novidade da educação brasileira no século 21 é democratização do acesso.
Só recentemente
conseguimos a universalização do ensino fundamental, e progressos também estão
sendo alcançados com relação ao médio. A imagem estática do espelho não pode
refletir a dinâmica de um processo em evolução.
Não que isso deva nos
acomodar. Somos hoje a quinta maior economia do mundo, mas, quando comparados
internacionalmente a outros jovens de 15 anos, nossos adolescentes ocupam os
últimos lugares em compreensão da linguagem e conhecimentos em matemática e
ciências. Isso nos diz muito a respeito do tipo de preparação que estamos lhes
dando para sua futura inserção no mercado de trabalho.
É por essa razão que a
Sociedade Brasileira de Física (SBF) vê com profunda preocupação a proposta de
substituição de disciplinas específicas de física, química e biologia por algo
a ser chamado de "ciências da natureza".
Mesmo se relevarmos as
questões sobre como formar professores em número suficiente e com a qualidade
necessária para ministrar essa nova "disciplina", entendemos ser
frágil e equivocada a justificativa de que isso levaria a melhores índices do IDEB.
O Brasil mais justo, soberano e economicamente competitivo que todos nós
imaginamos precisará de mais, e não de menos, ciência.
É urgente uma reforma
no currículo do ensino fundamental e médio para que as ciências se tornem mais
adequadas à realidade dos jovens de hoje. Todos eles devem ter o direito de
experimentar a excitação da descoberta de como a natureza funciona e de
entender suas leis mais gerais. O cidadão funcional deste século precisará
saber integrar o conhecimento de várias áreas para poder tomar decisões em
assuntos como saúde e segurança ambiental, consumo responsável, usos da
biotecnologia etc.
Para aqueles que
decidirem seguir carreiras nas áreas de ciência e tecnologia, o que temos de
fazer é reforçar o conteúdo mais moderno nas disciplinas correspondentes e
estimulá-los a aprender fazendo. A competitividade da economia brasileira vai
depender de nossa habilidade de formar quadros técnicos capazes não apenas de
fazer, mas também de continuar a aprender em sua vida profissional.
Os indicadores do IDEB
nos causam dor. Podemos negar a imagem por eles refletida ou, com coragem,
enfrentar o problema. A SBF se coloca à disposição para discutir a questão e
colaborar com a construção de uma nação moderna.
Sim.
Evitar
a dispersão é uma das mudanças
Mozart Neves Ramos é doutor em química pela Unicamp, professor da
Universidade Federal de Pernambuco e membro do Conselho Nacional de Educação e
do conselho de governança do Todos Pela Educação.
Uma reforma estrutural
urgente precisa ser feita, pois o País está há dez anos simplesmente estagnado
nessa etapa, e o pior, num patamar de aprendizagem escolar muito baixo. O
propalado ensino médio inovador, lançado há alguns anos pelo próprio MEC,
disperso e sem foco, não mostrou a que veio.
O MEC, numa primeira
reação, aponta como saída a reorganização das disciplinas por áreas de
conhecimento - um caminho que julgo correto -, evitando assim a grande
fragmentação e dispersão dos atuais conteúdos transmitidos no ensino médio.
Hoje, o jovem termina essa fase escolar sabendo um pouco de cada
matéria, sem um direcionamento para a área em que possa ter mais interesse, que
faça mais sentido para sua vida. Entender as relações que existem entre as
diversas disciplinas é imprescindível para que o jovem, que nessa fase já tem
tantos outros interesses alheios ao estudo, veja sentido no que aprende na
escola para sua vida, para seu futuro.
Mas isso não é
suficiente para o tamanho do problema dessa etapa. A formação do professor é um
ponto imprescindível para colocar em prática um modelo de
interdisciplinaridade, sempre com foco na prática de sala de aula. Sem mudar
essa formação, nenhum modelo de ensino médio terá êxito. A criação de uma
residência docente, por exemplo, seria muito bem-vinda.
Precisamos trabalhar fortemente
pela ampliação da oferta de escolas de tempo integral, como os pró-centros
iniciados em 2005 em Pernambuco, cujos professores são alocados em uma única
escola, com tempo para planejar as aulas com os colegas da mesma área de
conhecimento, colocando em prática essa interdisciplinaridade. Na escola de
tempo integral cabe a eventual oferta de educação profissional e tecnológica,
integrada ao ensino regular.
É preciso reconhecer também que o problema do ensino médio tem começado
já nas séries finais do ensino fundamental, tornando urgente estabelecer uma
base curricular comum para as escolas estaduais e municipais, já que ambas
oferecem essa etapa da educação básica.
Seria interessante
integrar melhor o 9° ano do ensino fundamental e o 1° ano do ensino médio, a
fim de criar uma base comum preparatória para a formação do jovem, enquanto os
dois últimos anos seriam dedicados à formação mais específica, de acordo com os
interesses de cada jovem.
A plena incorporação
das novas tecnologias e culturas nesse processo também é essencial para esses
jovens do século 21. O Brasil tem hoje uma escola do século 19 e um professor
do século 20 para um aluno do século 21!
E, por fim, para que
todos esses pontos avancem, são necessários mais recursos, melhor gestão e vontade
política; é preciso estabelecer com os Estados um pacto nacional pela escola
dos jovens, aproveitando algumas (poucas é verdade, caso contrário o país não
estaria nessa situação) boas experiências em curso.
É preciso olhar não só
a ponta do iceberg, mas todo ele, para que, enfrentando devidamente os
problemas do ensino médio, o Brasil não repita na próxima década os baixos
resultados apresentados nos últimos anos para essa etapa.
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