"Muito se fala sobre a necessidade de melhorar a qualidade da
educação básica no Brasil e são várias as estratégias defendidas com
esta finalidade: aprimorar a formação dos docentes, aumentar o tempo de
permanência na escola, melhorar a infra-estrutura e equipar os
estabelecimentos de ensino. Todas são válidas e, certamente, se
colocadas em prática colaboram para melhorar a educação. Contudo, existe
uma alternativa de grande impacto que é pouco lembrada: a incorporação
do ensino de ciências ao currículo desde os primeiros anos do ensino
fundamental."
Jorge Werthein Assessor especial do director-geral da Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.
No Brasil,
o ensino de ciências tem pouca ênfase dentro da educação básica, apesar
da forte presença da tecnologia na vida das pessoas e do lugar central
que a inovação tecnológica detém enquanto elemento de competitividade
entre as empresas e as nações. Evidência da falta de atenção dispensada à
formação na área de ciências neste país é o enorme deficit de docentes
de física, química, matemática e biológica, calculado em 200 mil segundo
o próprio Ministério da Educação.
Enquanto isso, em diversas partes
do mundo, inclusive da América Latina, tem-se experimentado o impacto
positivo do ensino de ciências sobre a qualidade da educação. Argentina,
Uruguai, Chile, Costa Rica, Cuba detêm os melhores indicadores
educacionais da região e são exemplos de países que perceberam que o
ensino das ciências pode ser muito importante e produtivo.
O
impacto do ensino de ciências sobre a qualidade da educação se deve ao
fato de que ele envolve um exercício extremamente importante de
raciocínio, que desperta na criança seu espírito criativo, seu
interesse, melhorando a aprendizagem de todas as disciplinas. Por isso,
se a criança se familiariza com as ciências desde cedo, mais chances ela
tem de se desenvolver neste campo e em outros.
Bom ensino atrai talentos
Somente
esse motivo já justificaria uma maior atenção ao ensino de ciências por
parte dos formuladores de políticas públicas na área da educação, mas
existem outros. Uma segunda razão é que apenas com bom ensino de
ciências para todas as crianças é possível atrair talentos para as
carreiras científicas.
A terceira, e última lembrada no âmbito
deste artigo, é o fato de que o conhecimento científico e as novas
tecnologias são fundamentais para que a população possa se posicionar
frente a processos e inovações sobre os quais precisa ter uma opinião a
fim de legitimá-los. É o caso do uso de alimentos geneticamente
modificados, da clonagem biológica e o uso da energia nuclear. Nesse
sentido, o domínio do conhecimento científico faz parte do exercício da
cidadania no contexto da democracia.
Costuma-se dizer que, no
mundo contemporâneo, o capital mais importante de um país é o
conhecimento. O conhecimento, contudo, depende da formação de pessoas
capazes de produzi-lo. E num país com as características do Brasil, com
um numeroso contingente de crianças e jovens em idade escolar, não é
exagerado dizer que este é o bem mais valioso que se tem à disposição, o
qual pode se converter em vantagem competitiva se esse potencial for
bem aproveitado por meio de uma educação de qualidade.
Falta de capacitação de docentes
Mas
justamente por se almejar uma educação de qualidade é preciso atentar
para um aspecto fundamental: o ensino para as ciências não consiste
apenas em inserir disciplinas no currículo. Vide o que acontece no
ensino médio, em que a educação para as ciências, sobretudo na rede
pública, é extremamente deficiente devido, entre outras coisas, à falta
de capacitação dos docentes.
Assim, a inclusão das ciências desde o
ensino fundamental deve ser associada, necessariamente, a uma política
de formação de docentes, de modo que eles se sintam seguros e possam
propiciar aos alunos aprendizagens significativas.
Não existe
nenhum fantasma no ensino de ciência, é apenas preciso transmitir
conhecimentos que são até elementares e que gerem interesse das crianças
pela experimentação. Os alunos se entusiasmam, querem praticar e começa
a existir trabalho em equipa. No Brasil, isso acontece em escolas da
rede privada, mas não é possível manter uma situação em que esse tipo de
formação e conhecimento se mantenha restrito a um pequeno número de
crianças e jovens, sob pena de se continuar a gerar e a reproduzir as
desigualdades.
Fonte: Revista Ciência Hoje
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=3985&op=all
Acesso: 31/08/12