Enquanto o MEC tenta aprovar a oferta de currículos
diferentes, de acordo com as metas profissionais dos alunos, críticos defendem
a formação integral dos jovens
Um ensino global ou focado na área de
interesse do aluno? Uma educação para o mercado de trabalho ou direcionada à
formação de um jovem com autonomia intelectual? As respostas para estas
perguntas, resultado das diversas discussões em curso sobre o ensino médio,
deverão sinalizar o que poderemos esperar para esta etapa da educação básica
nos próximos anos. Mais do que isso, elas deverão apresentar o caminho para que
sejam superados os baixos resultados e a evasão, principais entraves desta
etapa escolar.
Entre as medidas que visam a
reformulação do ensino médio estão a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a
proposta de flexibilização e o projeto de Lei nº 6.840, de autoria do deputado
Reginaldo Lopes.
O
projeto de lei, que tramita na Câmara Federal desde 2013, sugere, entre outras
medidas, a organização dos currículos por áreas de conhecimento (linguagens,
matemática, ciências humanas e da natureza) e a ênfase na formação profissional
ou em uma destas áreas a partir do terceiro ano.
Base Nacional deve sair só após
decisão sobre flexibilização
Outra discussão que
corre em paralelo ao projeto de lei nº 6.840 e à flexibilização e que terá
reflexos sobre o ensino médio é a da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O
documento, que deverá orientar os currículos da educação básica no país, será
entregue sem a definição do que deverá ser ensinado nesta última etapa. O
anúncio foi feito pelo MEC, que prevê incluir o currículo na base somente após
a aprovação do projeto de lei.
“Essa
condução de esperar é importante, uma vez que uma impacta a outra. Faz mais
sentido saber o formato final da etapa para depois pensar como se irá preencher
esta estrutura”, avalia Priscila Cruz, presidente-executiva do movimento Todos
pela Educação.
Para
a doutora em educação Sandra Garcia, ex-coordenadora geral do Ensino Médio no
MEC e professora da UEL, a Base representa em retrocesso ao tratar os objetivos
educacionais como conteúdos. “Sempre defendi a unidade do currículo, mas isto
não significa apontar quais são os conteúdos [a serem ensinados]. Ao meu ver, a
base e a PL vêm para dar resposta a um problema estrutural, de déficit de
professores no Brasil”, aponta.
“O PL resgata a antiga ideia do ensino
médio [clássico, científico e magistério] de forma contemporânea, adequando a
escola ao projeto de vida do jovem, do qual atualmente ela é descolada. Hoje, o
aluno que quer fazer o ensino técnico tem que cursar o mesmo [ensino] médio do
que deseja fazer medicina. Isso ignora as trajetórias diversas, os itinerários
formativos que os jovens começam a construir a partir dos 14 anos”, avalia
Priscila Cruz, presidente-executiva do movimento Todos pela Educação.
O
Ministério da Educação (MEC) afirma que a discussão em torno da reformulação do
ensino médio é uma das prioridades da Secretaria de Educação Básica e trabalha
em um substitutivo para o projeto com o objetivo de reforçar a flexibilização
do currículo desta etapa.
“Estas
três propostas são extremamente positivas, pois estão concatenadas. Definir uma
base para a educação básica tornará o processo de flexibilização do ensino
médio mais viável. E a PL 6.840 deverá atender essa necessidade”, resume o
Secretário de Educação Básica do MEC, Rossieli Soares da Silva.
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Outro
lado
A doutora em educação Sandra Garcia,
ex-coordenadora geral do Ensino Médio no MEC e professora na área de Políticas
Educacionais na Universidade Estadual de Londrina discorda e afirma que propor
a fragmentação do conhecimento significa dizer que ele será desigual. “Estamos fazendo
o que a professora Acacia Kuenzer trata como educação excludente, pois, ao
mesmo tempo em que possibilita o acesso, exclui, uma vez que o conhecimento não
é tratado da mesma forma para todos”, diz.
Para
a professora, tal fato se contrapõe radicalmente à discussão sobre a formação
humana integral presente nas Diretrizes Nacionais do Ensino Médio e colabora
para o desenvolvimento de um sujeito que não tem autonomia intelectual.
“O
que está em disputa é quem é o sujeito que queremos formar para a sociedade, a
partir de duas perspectivas: uma formação humana integral ou uma para inseri-lo
no mercado de trabalho e/ou na continuidade [dos estudos] no ensino superior”,
aponta.
Para
Priscila, este último deve ser o caminho a ser adotado. Ela acredita que a diversificação
do ensino médio, ou seja, a ênfase nas áreas de interesse do aluno, será a
ferramenta para o país enfrentar a falta de resultados desta etapa do ensino.
Para
isto, a presidente-executiva alerta que, quando aprovado, o projeto de lei não
deve ser muito genérico, o que poderia gerar o risco de a lei “não pegar” ou de
não apresentar uma orientação correta, levando à desigualdade de sua aplicação.
Sharon
Abdalla, GAZETA DO POVO, 22/08/2016.
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