A edição de sábado (06/10/2012) da Folha de São
Paulo traz dois artigos debatendo a produtividade dos docentes.
NÃO
A quem as universidades estão servindo?
Artigo de José Maria Alves da
Silva, doutor em economia, é professor da Universidade Federal de Viçosa.
No
Brasil, as universidades estão entre as instituições públicas mais submetidas a
avaliações externas de desempenho. Além de contrariar o princípio da autonomia,
previsto no artigo 207 da Constituição Federal, tal excesso de cobrança também
pode ser considerado anômalo por induzir desvios de função, em detrimento da
geração de bens públicos que não podem ser adequadamente aferidos por meio de
indicadores quantitativos.
Em
contraste com as atividades produtivas agrícolas e industriais, ou nas áreas de
segurança, saúde, transporte e energia, os "inputs" e
"outputs" mais essenciais da "função de produção acadêmica"
envolvem coisas intangíveis como pensamentos e ideias científicas, políticas ou
artísticas.
Podem-se
somar quantidades de diplomas concedidos ou de artigos publicados em revistas
indexadas, mas não os conteúdos dos diplomados e das publicações. Além disso,
atividades como as filosóficas e científicas são caracterizadas por períodos de
gestação longos e variáveis, incompatíveis com os objetivos imediatistas
subjacentes à ação dos órgãos avaliadores.
Desde
o início da peregrinação científica de Charles Darwin, no navio Beagle, até a
publicação da "Origem das Espécies", passaram-se 18 anos. Pelos
critérios de avaliação vigentes hoje nas universidades brasileiras, esforços
científicos de grande fôlego, como o de Darwin, estão completamente fora de cogitação.
Durante
o tempo que levou para concluir a teoria da relatividade geral, Albert Einstein
publicou alguns artigos em revistas científicas, mas não com intuitos
"carreiristas" e sim porque precisava se comunicar com os colegas,
para melhor conduzir suas investigações.
Outro
bom exemplo é Sócrates, que não deixou nada escrito. Sua atividade consistia em
pensar e formar ideias que expressava apenas oralmente, pois considerava que
escrever era desperdício de tempo.
No
entanto, através dos discípulos, suas ideias contribuíram para a formação de
parte substancial do acervo cultural da humanidade. Se vivesse hoje como
professor da universidade pública brasileira, ele seria apenas mais um dos
atirados na vala comum dos improdutivos, por causa de metodologias de avaliação
insufladoras de um "produtivismo" que, no longo prazo, tende a levar
a resultados piores do que os que naturalmente ocorreriam se elas nunca
tivessem existido.
Em
consequência do excesso de avaliações e cobranças de produtividade,
presencia-se hoje nas universidades públicas brasileiras um ambiente
extremamente competitivo, estressante e direcionado para a produção de bens de
mercado.
Tirando o que é gasto na
elaboração de projetos, produção em massa de artigos, preenchimento de
relatórios, atualização de currículos, participações cada vez mais frequentes
em bancas, reuniões etc., sobra pouco tempo para pensar e outras finalidades
importantes, como aperfeiçoar metodologias de ensino ou enriquecer conteúdos
disciplinares.
Quando
o "produtivismo" impera na academia, aulas, conferências e palestras
brilhantes ou qualquer outro tipo de comunicação fora dos meios reconhecidos
não contam, por mais que sirvam para solucionar problemas, enriquecer espíritos
ou abrir novos caminhos de pensamento.
Esse
é o cenário de uma universidade heterônoma, que está sendo conduzida por
interesses consorciados de empresas que demandam serviços tecnológicos,
famílias que almejam mais oportunidades de acesso a vagas gratuitas no ensino
superior, "oligarquias científicas" que legitimam seus privilégios
impondo sistemas de avaliação ad hoc e governantes mais comprometidos com o
projeto de poder de seus partidos do que com o futuro na nação.
SIM
Como é fácil a vida dos professores
Artigo de Alberto Carlos Almeida,
doutor em ciência política e sociólogo.
A
principal avaliação, senão única, à qual são submetidos os professores de
nossas universidades federais ocorre por meio das pós-graduações. A quantidade
e qualidade de suas produções científicas é medida, e a Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) confere notas para cada curso de
pós-graduação.
A
distribuição de recursos entre as pós-graduações ocorre de acordo com tais
notas: quanto mais elevada elas são, mais acesso a bolsas de estudo,
financiamentos para viagens etc. tais cursos recebem. É muito pouco,
considerando-se o quanto nós brasileiros, todos, inclusive os mais pobres,
pagamos para sustentar este enorme sistema público universitário.
Fui
professor do departamento de ciência política da Universidade Federal
Fluminense entre 1993 e 2005 e tive a chance de ser testemunha ocular de como é
fácil a vida dos professores de universidades púbicas. Não há um rigoroso
controle externo sobre o que é feito ou o que se deixa de fazer. Se falta isso,
imagine metas de produtividade.
Vi
em muitas oportunidades vários professores deixarem de dar inúmeras aulas e
nada acontecerem com eles. Os alunos não têm a quem recorrer. Eles podem
reclamar com o respectivo departamento de ensino ao qual o professor está
vinculado. Como são todos pares e muitas vezes um professor pode precisar do
apoio político de outro, eles nada fazem para coibir os faltosos.
Não
dar aulas é um mal visível. Há os menos visíveis, porém com consequências muito
negativas. Muitos professores dão aulas, mas enrolam: iniciam 15 minutos mais
tarde e terminam 15 minutos mais cedo do que o horário regular, ficam dando
suas opiniões pessoais em sala de aula em vez de ensinar conteúdos, não se
atualizam com a finalidade de melhorar seus cursos etc. A falta de cobrança
externa resulta em acomodação e, em muitos casos, a preguiça se manifesta.
Sendo
assim, a primeira meta a ser estabelecida é tão óbvia quanto necessária: dar
todas as aulas do início ao fim com conteúdo denso e útil para os estudantes.
Isso se mede por meio da produtividade: é preciso que seja estabelecido um
rigoroso processo de avaliação do estudante, por meio de indicadores, desde
quando ele entra na universidade até os primeiros anos após sua formatura, com
a entrada no mercado de trabalho.
Tenho
tido a chance de trabalhar em um projeto que faz exatamente isso, o projeto
Siga realizado pela Unianhanguera, e os benefícios são evidentes. Indicadores
desta natureza permitem detectar e identificar as causas de problemas como
estudantes desestimulados e evasão.
Os
professores das universidades federais não querem esse tipo de avaliação, pois
seria fazer um raio-X sobre o resultado de seu trabalho. Eles não querem ser
controlados. O nosso sistema de universidades federais custará em 2012 quase R$
28 bilhões. Um sistema tão caro precisa dar uma grande contribuição ao País.
Não é isso que vemos.
Os
professores são juridicamente funcionários públicos, e grande parte deles se
comporta como tal no sentido pejorativo da expressão: não trabalham ou trabalham
muito pouco. É por isso que o resultado do que eles fazem precisa de controle
externo por meio de avaliações abrangentes e rigorosas, que incluam metas de
produtividade a elas vinculadas, e os recursos precisam ser alocados em função
de tais avaliações.
Há
um conflito de interesse: os professores não querem isso, e a sociedade quer
que o recurso que ela coloca nas universidades seja utilizado de maneira
eficiente. Por enquanto, quem tem vencido esse conflito são nossos professores
funcionários públicos.