Levantamento
inédito com metodologia desenvolvida pelo jornal Folha de São Paulo classifica
232 instituições.
A edição de hoje (03/09/2012) da
Folha de São Paulo traz um caderno especial com o primeiro ranking de
universidades brasileiras, uma iniciativa de avaliação sistemática do ensino
superior no País. Ao longo de oito meses, a Folha levantou dados de publicações
acadêmicas e, com o Datafolha, ouviu centenas de cientistas e profissionais de
Recursos Humanos para compor o RUF (Ranking Universitário Folha).
Nele estão representadas 191
universidades - que operam com pesquisa, ensino e extensão - mais 41 centros
universitários ou faculdades, dedicados sobretudo ao ensino e onde há pouca
pesquisa.
A USP figura em primeiro lugar,
seguida pelas federais de Minas (UFMG) e do Rio (UFRJ). Entre as instituições
não universitárias destacou-se a ESPM, com a melhor formação em publicidade,
único curso que a USP não lidera, considerando-se os 20 maiores do País.
Até
então, o Brasil dependia de classificações globais ou, no máximo, continentais,
que citam poucas instituições brasileiras e desconsideram características
nacionais. A metodologia geral do RUF foi criada pelo grupo liderado pelo
cienciometrista (ciência que estuda a produção científica) da USP Rogério
Meneghini, em conjunto com a Redação da Folha.
Destaques
- Dos quatro aspectos analisados na lista geral do RUF (pesquisa, ensino,
reputação no mercado de trabalho e inovação), a USP apenas não é primeira
colocada em termos de inovação, indicador que a Unicamp lidera.
Outro resultado que chama a atenção
é a boa avaliação das escolas privadas pelas empresas. Entre as 15 instituições
mais citadas como melhores por profissionais responsáveis por contratação, seis
são pagas. Os cientistas têm visão diferente: só citaram uma particular, a
PUC-Rio, entre as melhores.
Entre as dez primeiras universidades
na lista geral, cinco estão no Sudeste; três no Sul, uma no Centro-Oeste e uma
no Nordeste. A melhor universidade do Norte, a federal do Pará, aparece na 24ª
colocação do ranking.
Informações como essas são
importantes para orientar políticas públicas, alunos, professores e
empregadores, pois mostram as instituições de destaque no País e as que estão
com defasagem. Países como EUA, China, Alemanha, Bulgária, Cazaquistão e Vietnã
já fazem rankings nacionais.
O Ministério da Educação brasileiro
faz uma avaliação de instituições, chamada de IGC (Índice Geral de Cursos). A
metodologia, porém, não prevê um ranking de instituições de ensino superior,
apenas as classifica em grupos. O levantamento do governo considera a nota dos
estudantes em uma prova (o Enade); a proporção de docentes com doutorado e as
notas dos programas de pós-graduação. Não havia, até agora, um indicador que
abrangesse a visão do mercado de trabalho e a produção científica das
instituições.
Só conhecemos aquilo que podemos medir
Análise de Hélio Schwartsman, colunista da Folha
Por que criar um ranking
universitário? À primeira vista, é uma atitude temerária. É procurar sarna para
se coçar, num português claro. Para começar, as universidades brasileiras,
construídas à sombra do sindicalismo de resultados, têm sólido histórico de
resistência a avaliações e costumam reagir com veemência a quem se propõe a
escrutiná-las. Ademais, publicar uma lista de classificação significa contentar
à meia dúzia dos mais bem colocados e enfurecer, no nosso caso, mais de 200
instituições - um desastre de relações públicas.
Para tornar tudo mais difícil,
muitas das críticas feitas a rankings não se limitam a choro de despeitados,
merecendo séria consideração. O exercício de transformar um campus
universitário, com todos os seus pesquisadores, professores, alunos e técnicos
e suas múltiplas interações, num único indicador numérico implica uma
simplificação brutal da realidade, o que gera distorções. Para cada critério
incluído no ranking, outros, igualmente defensáveis, deixam de entrar. O RUF
não traz nenhum indicador de infraestrutura, para citar um único caso.
Mais do que isso, a escolha de um
item tem impacto sobre outros. Num exemplo concreto, o RUF considera tanto o
total de trabalhos publicados no biênio 2008-09 (uma medida da robustez da
instituição) como as publicações por docente (produtividade) e as citações
recebidas (qualidade). A utilização do total de artigos favorece universidades
de maior porte como USP, UFRJ e UFRGS.
Seria também justificável ficar
apenas com as publicações por docente, mas, aí, as beneficiadas seriam as
instituições menores, uma crítica corrente contra alguns rankings
internacionais. A única certeza aqui é que tomar decisões é inevitável. Outra
dificuldade é avaliar setores específicos. As publicações em
"journals" dão conta razoavelmente bem das áreas de exatas,
biológicas e ciências da vida, mas não funcionam tanto nas humanas. Não são
despropositadas as objeções dos que afirmam que a publicação de um livro (que
não é computada no RUF nem na maioria dos rankings) vale mais que a de dezenas
de artigos. De novo, escolhas são inevitáveis.
Os problemas relativos à avaliação
do ensino pelos pesquisadores e pelo mercado são só um pouco menores.
Evidentemente, é preciso perguntar a quem conhece. Não podemos convidar um
arquiteto para julgar cursos de medicina. A solução foi recorrer à base de
pesquisadores do CNPq, só que ela própria carrega vieses, como o número
extremamente elevado de físicos (894) e relativamente baixo de advogados (60).
No caso do mercado, recorremos aos RHs de empresas e instituições. É uma saída,
aceitável, mas não sem implicações. Os próprios RHs não parecem atribuir tanto
peso à universidade de origem dos funcionários, já que 32% disseram que não faz
diferença.
Com tantos e tão variados dilemas, a
pergunta inicial, "por que criar um ranking universitário?", se torna
ainda mais premente. Poderia ser apenas uma moda, já que o mundo inteiro está a
fazê-lo, mas há razões de fundo que justificam o interesse.
A ciência e o ensino estão se
globalizando. É cada vez mais comum ver jovens estudando no estrangeiro. E, se
já é difícil escolher uma universidade no país de origem, muito pior é fazê-lo
em lugares a respeito dos quais não se tem muita informação. Os rankings, ao
traduzir toneladas de dados num número, ajudam esse estudante. Embora a
internacionalização seja ainda incipiente no Brasil, devido a mudanças como o
Enem, está aumentando a mobilidade interna dos alunos, para os quais o RUF pode
ser de grande auxílio.
O ranking é ainda uma ferramenta
valiosa para as próprias instituições, que poderão acompanhar seu
desenvolvimento ao longo do tempo e comparar-se. No mais, uma medida da
produção universitária, mesmo que imperfeita, é preferível a nenhuma medida. A
verdade, para utilizar um mantra da física, é que só conhecemos aquilo que
podemos medir. Sem as amarras da realidade mensurável, a ciência é
indistinguível da teologia e do delírio.
Um exercício novo, escorregadio, mas necessário
Opinião de Rogério Meneghini,
coordenador do RUF, bioquímico da USP, cienciometrista e coordenador acadêmico
da base de dados Scielo.
Rankings de universidades têm fervilhado
em anos recentes e repercutido no setor acadêmico, educacional e no público em
geral. Os pioneiros foram os internacionais; depois, vários países passaram a
produzir os nacionais. Em geral, essas métricas são feitas pela mídia. Os
rankings são multifocais e discrepantes nos resultados, o que, com razão,
incomoda os desprevenidos. Para não precipitar a conclusão de que os rankings
são sofísticos é preciso considerar outros aspectos: eles surgiram num período
recente de expansão explosiva de universidades em todo o mundo e de uma
universalização do setor.
A necessidade de conhecer e avaliar
se tornou fundamental para estudantes, professores e cidadãos. A agilidade da
mídia atende a um interesse público que outros setores, inclusive o
governamental, demorariam a prover (muito embora o governo elabore
levantamentos importantes; o MEC e sua divisão de pós-graduação, a Capes, são
essenciais na obtenção de indicadores).
É inegável que o processo de
ranquear é novo, escorregadio e metodologicamente vacilante. Entre as muitas
dificuldades, encontra-se uma que cabe aos governos resolver: a de admitir que
as diferentes instituições possam ter diferentes missões. Esse problema foi
enfrentado satisfatoriamente em poucos países: em 1967, nos Estados Unidos, a
Fundação Carnegie criou uma comissão cujas propostas levaram a uma
classificação das universidades em cinco categorias.
No Brasil, o MEC impõe quesitos
mínimos para uma instituição ser reconhecida como universidade. Todavia, não
houve uma proposta para diferenciar escolas do ponto de vista de suas missões.
Nos rankings, os indicadores de qualidade das universidades beiram a meia
centena e os distintos rankings os selecionam e pontuam diversamente; daí as
divergências de resultados obtidos.
Há duas razões principais para isso.
Uma é que as listagens podem mirar interesses diversos: de candidatos à
graduação e à pós-graduação, de professores buscando posição ou de público em
geral. Outra razão é que essas listas são recentes e seu desenvolvimento é um
processo complexo que requer experimentação. Por isso mesmo são chamadas de
exercícios.
O Ranking Universitário Folha
atribui pontuação superior à pesquisa, seguindo a tendência de classificações
internacionais nas quais as universidades mais bem qualificadas são as de maior
prestígio em produção científica (o que, se supõe, reflete-se na qualidade de
ensino).
Embora seja considerado secundário
pelos rankings internacionais, aqui o quesito de inovação tecnológica recebeu
pontuação 5, levando-se em conta que as universidades brasileiras têm sido
estimuladas a atuar no setor para compensar o desempenho modesto das empresas.
No quesito qualidade de ensino é
impressionante que apenas um quarto das universidades tenha recebido alguma
pontuação (40 públicas e nove privadas). A avalanche e o agigantamento tanto de
instituições públicas quanto de privadas, nos últimos anos, explicam, em grande
parte, esse desempenho.
Ao contrário de outros indicadores,
na avaliação de mercado as universidades privadas tiveram uma presença bem mais
forte. Das 50 mais pontuadas, 22 são privadas. Nesse quesito, a superioridade
em número de alunos matriculados nas pagas (54%) tem grande peso.
O RUF destaca cinco universidades no
topo: USP, UFMG, UFRJ, UFRGS e Unicamp. Se compararmos as posições dessas
instituições nos principais rankings mundiais há diferenças notáveis. USP e
Unicamp, porém, tanto ocupam colocações de destaque nas listagens
internacionais como saltam aos olhos no RUF. Isso se considerarmos só os
quesitos pesquisa, ensino e inovação, sem ponderar o mercado de trabalho. É
certo que esse tema do ranking de universidades ainda tem um largo horizonte
para se desenvolver. Na discussão que daí surgirá é necessário aperfeiçoar o
ajuste de indicadores numéricos com visões conceituais.
(Caderno Especial Folha de São Paulo)