Hélder
Eterno da Silveira, que entre 2011 e 2015 foi coordenador-geral dos Programas
de Valorização do Magistério da Capes, escreve para o Jornal da Ciência
Discussões
sobre a formação de professores tem ocupado importante espaço nos debates de
pesquisadores, de professores e de agentes públicos preocupados com a qualidade
educacional do País. Esses debates são alimentados por aspectos relacionados
aos projetos pedagógicos, à natureza dos cursos de licenciatura, ao ofício da
profissão, à atratividade da carreira, às formações inicial e continuada, à
valorização do magistério, dentre outras.
Outrossim,
a complexidade da profissão e da formação são elementos fulcrais que estão
sendo considerados nesses debates. Neste sentido, combate-se a trivialidade da
formação, a simplicidade dos currículos, a relação efêmera das instituições
formadoras com as escolas, a falta de participação dos professores da educação
básica no processo formativo, a inadequação dos espaços formativos e tantos
outros interferentes para a profissionalização docente.
A
partir das discussões e dos diálogos já travados, é possível inferir que muito
além de produzirmos reflexões e conhecimentos sobre a formação de professores,
somos, também, militantes em prol da docência. Essa militância mobiliza nosso
fazer profissional, nossas pesquisas e nosso desejo de melhoria das condições
de vida das pessoas no País. Sim: militantes inquietos e ativos em prol
da formação de professores! E isso nos torna mais, mesmo em tempos de
intempéries e de crises nos sistemas político e econômico brasileiros. Assim,
tentamos manter as conquistas alcançadas que visam promover a valorização do
magistério e o melhoramento do trabalho docente.
Das
muitas conquistas que os educadores e os pesquisadores alcançaram nos últimos
anos, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid),
gerenciado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes) é um relevante exemplo. Esse programa materializa um pouco das
discussões desenvolvidas sobre a valorização do magistério e sobre a
aproximação da escola com as instituições formadoras.
Seu
desenho pedagógico permite que os professores das escolas e os formadores das
instituições de ensino superior (IES) dialoguem com os estudantes que estão em
processo de formação. Isso ocorre para que se (re)construa uma práxis ativa,
participante e colaborativa sobre o ofício da docência. O programa tem se
constituído como uma importante oportunidade que as instituições formadoras
tiveram em aprimorar a profissionalização dos docentes que atuarão na educação
básica. Desse modo, a partir do programa, as IES conseguiram fazer com que as
atividades formativas dos participantes ganhassem uma perspectiva pautada na
valorização da escola como produtora de conhecimento e como espaço privilegiado
para o desenvolvimento profissional dos estudantes, dos professores da educação
básica e dos próprios docentes universitários. Isso tem sido feito a partir da
análise e do estudo de casos didático-pedagógicos reais, bem como da proposição
de ações de intervenção na realidade escolar, o que colabora, inclusive para o
melhoramento das práticas educativas das escolas envolvidas.
O
programa não é nada trivial, pelo contrário: visa possibilitar que os futuros
professores incorporem práticas de caráter inovador em suas ações, desenvolvam
estratégias didático-pedagógicas para a intervenção escolar, reflitam e
utilizem as tecnologias nas atividades didáticas, proponham ações inter e
multidisciplinares, incorporem os resultados das investigações educacionais nas
práticas escolares, bem como aprimorem as dimensões cognitivas, instrumentais,
pedagógicas, socioemocionais, estéticas, éticas e políticas que são basilares à
docência. Seus princípios foram construídos para que os futuros professores se
apropriem dos diferentes elementos constitutivos da cultura da docência tendo
como ponto de partida a desconstrução de ideias previamente estabelecidas sobre
o exercício profissional. Assim, intenta-se a renovação das práticas
educacionais: renovam-se as ideias, as concepções, os sujeitos, as
oportunidades de entender a escola, as práticas colaborativas e própria
docência. O Pibid, desse modo, contribui com a formação de professores à medida
que possibilita o diálogo profícuo entre seus envolvidos, cuja linha teórica é
intencionalmente marcada por uma pedagogia da análise, da conjugação de
esforços, da colaboração dos atores educacionais, como, também da interatividade
dos sujeitos participantes do programa.
Desenhado
em 2007, o programa – que iniciou suas atividades com o fomento a 3.088
bolsistas -, foi ganhando força no interior das instituições (IES e escolas
participantes) que o abraçaram e o redesenharam a partir de suaexpertise.
Em 2013, o programa foi reformulado e ganhou nova dimensão e maior clareza
pedagógica. Para essa reformulação, a Capes levantou em consulta pública
contribuições de aproximadamente 2.500 professores (especialistas em formação
docente das IES) e reuniu cerca de 200 coordenadores institucionais em sua
sede, em Brasília. Novas regras resultaram de um trabalho intenso e dialógico
entre a Capes e as IES que foram respeitadas em suas especificidades, marca da
boa relação da agência com as instituições. Essas regras auxiliaram as IES a
construírem projetos que respondessem aos níveis crescentes da complexidade e
da autonomia profissionais, desejáveis à docência. Este breve histórico é para
mostrar o quanto o Pibid vem se consolidando como a principal política de
valorização do magistério e de fixação de estudantes nas licenciaturas do
Ministério da Educação alcançando, por meio de Edital da Capes, em 2013, 90.254
concessões de bolsas, distribuídas em 855 campi de 284
instituições formadoras públicas e privadas; 2.997 subprojetos e cerca de 6.000
escolas da rede pública conveniadas. São 313 projetos institucionais, dos quais
29 atendem à formação dos professores que atuarão em escolas indígenas e do
campo, denominado Pibid Diversidade, importante ação de apoio à formação de
3.194 futuros docentes que exercerão suas atividades nessas escolas.
Os
números do Pibid parecem impressionantes, porém, são discretos perto da
necessária e urgente demanda da formação de professores no Brasil, cujos estudantes
da licenciatura são os que mais evadem dos cursos nas instituições de ensino
superior. Os programas, Pibid e Pibid Diversidade (a qual denominarei apenas
como Pibid), neste sentido, tem sido um aliado e um incentivo à continuidade
nos estudos desses licenciandos. Importante salientar que, segundo Dados do
Censo da Educação Superior de 2014, das 990.512 vagas oferecidas em 7.920
cursos de licenciatura, ingressaram 469.237 estudantes e concluíram apenas
201.353. Desses, nem todos atuarão na Educação Básica, cujas condições de
trabalho, reconhecimento social e salarial são precários. Verifica-se, por
esses dados, que do quantitativo das vagas oferecidas nas licenciaturas, apenas
20,32% alcançam êxito na conclusão dos cursos, situação preocupante em um país
cujo quadro de professores é insuficiente para a manutenção do sistema.
Agravando ainda mais esta situação, sabe-se que, dessa porcentagem, a taxa de
ocupação nas escolas de educação básica é ainda menor, com variações por área
de conhecimento, região etc. O Pibid, sem a pretensão de resolver as questões
complexas da indução dos egressos das licenciaturas nas escolas da educação
básica tem, em sua medida, atenuado os efeitos da evasão, incentivando os
estudantes a concluírem seu curso por meio da elevação da qualidade da formação
a eles oferecida pelas instituições formadoras, porém, o programa não se
desenhou para ser uma política de indução à ocupação nas escolas públicas, haja
vista que para isso seria necessária a criação de uma nova ação conjunta ao programa.
Assim,
alerto para a urgência de o Ministério da Educação desenhar uma política
pública específica que promova a indução dos egressos dos cursos de
licenciatura para o exercício profissional da docência nas escolas, sob pena de
um estrangulamento e “apagão da docência”, termo utilizado por alguns
especialistas da área educacional. Essa política deve se valer da relação entre
os entes federados, na busca de proposições e de ações que aumentem o interesse
para a prática profissional da docência e incluam o melhoramento (ou mesmo
criação) de planos de carreira, a valorização salarial, o aprimoramento das
condições do trabalho docente, o incentivo ao desenvolvimento profissional e
pela abertura de concursos nas as redes de ensino. Esses aspectos estão presentes
no Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014. O design de um programa
de Residência Docente, já esboçado na Capes, poderia ser um caminho. A
conjugação de esforços nessa direção implicaria na criação de novos e robustos
programas que, organizados no contexto de uma trajetória formativa, incluiriam
ações que se constituiriam em uma política de estado para o desenvolvimento
profissional e indução à docência, visando, igualmente, superar a incapacidade
de o Estado propor políticas que sejam perenes, bem conduzidas e
responsavelmente avaliadas para edificar a educação no Brasil.
Em
se falando de avaliação, no caso particular do Pibid, no ano de 2014, foi
publicado no sítio da Capes o resultado de estudo avaliativo do programa. Esse
estudo foi encomendado pela agência, por meio do lançamento de Edital Conjunto
da Capes com a Unesco com o objetivo de selecionar pesquisadores de alto nível,
reconhecidos nacional e internacionalmente para avaliar externamente o
programa. Duas doutoras, Bernardete A. Gatti e Mari E. D. A. André, da Fundação
Carlos Chagas, São Paulo, conduziram essa avaliação a partir de estudo
realizado pela Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica da Capes
com todos os participantes do Pibid, cerca de 45.000 pessoas. Desse universo, a
Capes obteve 38.000 respostas sobre questões diversas: os fundamentos do
programa, seu desenvolvimento, sua gestão, suas perspectivas, seus impactos e
desdobramentos no cotidiano das instituições formadoras e das escolas públicas
de educação básica.
O
documento produzido pelas avaliadoras externas apontou que o Pibid tem se
constituído como uma política acertada do Ministério da Educação para promover
a valorização da docência e minimizar o desinteresse nos cursos de
licenciatura. Aponta, inclusive, que o programa precisaria sofrer uma expansão,
mantendo seus princípios de um desenvolvimento profissional pautados na escola
como local de referência formativa (GATTI; ANDRÉ, 2014; disponível em
www.capes.gov.br). Resultados semelhantes foram alcançados por diferentes
pesquisadores brasileiros nas diversas regiões e em diferentes instituições e
programas de pós-graduação. Dissertação e teses estão sendo defendidas
mostrando que o Pibid colabora para aprimorar a formação de professores.
Apontam para melhoramentos da política, porém, sugerem a manutenção de seu design
pedagógico: articulação universidade-escola, relação dialógica entre os
formadores e os licenciandos, valorização do espaço escolar como produtor de
conhecimento para a profissionalização de novos docentes, entre outros
dispostos na Portaria 096, de 18 de julho de 2103 da Capes. No Banco de Teses
da Capes, estão registradas 26 teses de doutorado concluídas, apesar de o Pibid
ser um programa recente. Inúmeras dissertações de mestrado, artigos, trabalhos
em eventos científicos nacionais e internacionais têm sinalizado que a formação
de professores pode ganhar novos rumos a partir da experiência dos estudantes
no Pibid.
O
mérito do programa deve-se ao envolvimento de vários atores do cenário educacional
brasileiro em seu desenvolvimento. Dizendo de outra forma, o Pibid é uma ação
que vai além de um programa de bolsas. Noutra direção, vai ao encontro de
tantos projetos que se enredam no reconhecimento do espaço escolar como lugar
produtor de saberes para o exercício da docência. Assim, as bolsas são
coadjuvantes do processo, em que as ações construídas e estruturadas colocaram
várias pessoas refletindo e produzindo saberes profissionais que têm sido
incorporados pelos futuros professores. Vale uma ressalva: o Pibid não pode se
transformar em uma ação de reforço escolar com o objetivo de “atender as
escolas que mais necessitam”. Esse seria um grande equívoco e uma distorção
dessa política de formação de professores e de aperfeiçoamento profissional que
tem nas diversas realidades escolares espaços privilegiados para promover a
formação. A diversificação das práticas formativas, elemento fundamental na
profissionalização da docência, deve acontecer em diferentes escolas (aquelas
“ditas prioritárias e as que não são”). Essas escolas devem ser definidas no
diálogo dos formadores com as redes locais de ensino que, tendo sua autonomia
respeitas, identificarão os espaços possíveis da atuação dos projetos do Pibid,
entremeando múltiplas realidades que levem a aprendizagens diversificadas.
Desse modo, garante-se o respeito às diferentes autonomias (escolas, IES, redes
de ensino), a qual também tem sido – nos últimos anos – um diferencial no
sucesso do programa.
Todavia,
o Pibid apesar de lograr êxito tem sofrido com os cortes orçamentários a qual
vivemos atualmente. Ao certo todos padecem, porém, os cortes em alguns setores
podem representar a perenidade da crise no sistema político e econômico do
País. Não se constrói uma Pátria Educadora retirando-se recursos da educação e
desestimulando seus agentes. Vale lembrar que, atualmente, o programa
representa 0,59% do orçamento do Ministério da Educação. Esse montante é
relativamente pequeno perto do que o mesmo ministério investe em outras
políticas como o Fies, o ProUni, o Ciência sem Fronteiras, o Programa do Livro
Didático etc. É imprescindível que políticas como o Pibid sejam mantidas e
sofram imediata expansão, contudo, sem descaracterizações e sem desvirtuar seus
princípios sob a alegação de um redimensionamento que, como pano de fundo,
ameaçam sua existência. Manter o nome “Pibid” e transformá-lo em outra ação
apenas para alavancar o Ideb das escolas é, por certo, desconstruir o programa,
transformando-o em um Frankstein que, supostamente vivo, está morto em
suas bases e fundamentos.
Sugiro
que qualquer melhoramento do programa seja proposto em diálogo com as
instituições formadoras, seus especialistas educacionais e representantes das
redes de ensino. Modificações unilaterais para o programa podem representar uma
atitude de fechamento do diálogo do MEC com as comunidades acadêmica e escolar.
Reafirmo que o Pibid é uma ação de fixação de estudantes em cursos de
licenciatura e focado no melhoramento do desenvolvimento profissional. Assim, é
incoerente e não justifica atribuir ao programa responsabilidades e objetivos
que não se propôs essa política. Elevar o Ideb, por exemplo, implicaria em uma
ação específica que, por sua vez, não seria o Pibid o responsável. O Ideb
registra uma “tendência” de aprendizagem em língua portuguesa e matemática e o
foco do Pibid é a formação de professores, a problematização da profissão e a
diminuição da distância entre as instituições formadoras (IES-escola), com o
objetivo de intensificar a relação teoria-prática. Ainda assim, verifica-se em
dados oficiais, registrados no Relatório de Gestão da Diretoria de Formação de
Professores da Capes 2009-2014, que o Ideb de várias escolas participantes do
Pibid sofreu aumento.
Outro
dado importante: a inserção dos egressos do Pibid e de outros estudantes das
licenciaturas nas escolas, como dito outrora, depende de concursos nas redes de
ensino, como, também, no melhoramento das condições do trabalho. O Pibid,
apesar de não ser uma política específica de indução à carreira, tem
contribuído para elevar o número de professores nas escolas. A porcentagem de
ocupação dos egressos do Pibid nas escolas de educação básica, mesmo
considerando todos os interferentes apontados, é maior que a porcentagem de
ocupação de outros egressos das licenciaturas (que não passaram pelo Pibid) no
exercício da docência quando comparamos as vagas oferecidas, os concluintes e a
entrada na profissão.
Políticas
públicas acertadas no Brasil, como o Pibid, sofrem com a crise, porém não podem
ficar reféns das intempéries e do humor econômico, devido às incongruências do
sistema político ou outras de difícil aferição. As prioridades do governo
federal podem ser percebidas nesses momentos de crise e espera-se dos gestores
públicos a sensibilidade política para a manutenção desse programa, de sua
estrutura, da concessão das bolsas e de seu design pedagógico,
responsáveis pela mobilização de atividades que têm apresentado resultados
satisfatórios para o melhoramento da formação de professores, para a construção
da anunciada “Pátria Educadora” e para o alcance de Metas do Plano Nacional de
Educação, no que tange ao reconhecimento e à valorização da docência.
*Hélder Eterno da Silveira, doutor em Educação pela
Unicamp, professor da Universidade Federal de Uberlândia. Entre 2011 e 2015 foi
coordenador-geral dos Programas de Valorização do Magistério da Capes, onde
está abrigado o Pibid e diversas ações de melhoramento da formação de
professores.