Artigo de
Wanderley de Souza
As
universidades contemporâneas se caracterizam por exercer múltiplas funções,
todas fundamentais para o desenvolvimento econômico e social sustentável dos
locais em que se encontram, seja uma cidade, estado ou país. A primeira função
reconhecida por todos é a de formar, em diferentes níveis, pessoal qualificado,
nas mais variadas áreas do conhecimento. O êxito profissional dos egressos de
uma universidade é fator importante à consolidação de sua imagem positiva junto
à sociedade. A segunda função, ainda que exercida de forma adequada por poucas,
é a de constituir um centro de geração de novas ideias e conhecimento, fruto da
intensa experimentação, discussão e reflexão que devem ser permanentes e
realizadas nas melhores condições possíveis, inclusive incluindo parte
significativa do seu corpo discente nestas atividades. A terceira função é a de
interagir permanentemente com a sociedade em diferentes níveis, desde a
divulgação de suas ideias até assessorando instituições públicas e privadas nas
mais diferentes áreas, onde o fator conhecimento e capacidade de criação sejam
importantes. Poderíamos agregar outras funções, que de maneira crescente vêm sendo
demandadas às universidades. No entanto, de alguma maneira, elas estão
vinculadas às três missões básicas (ensino, pesquisa e extensão) mencionadas
acima.
É
justamente pela importância das universidades que elas se disseminaram pelo
mundo e nelas se investem recursos significativos, tanto do setor público como
do privado. Todos esperam que o investimento feito gere retorno claro para a
sociedade, e é por este motivo que várias instituições no mundo vêm se
dedicando a avaliar seus desempenhos, usando critérios ligeiramente diferentes,
mas quase sempre procurando analisar em profundidade a excelência e o impacto
da sua produção acadêmica. Muitos rankings internacionais foram publicados nos
últimos anos, e todos eles mostraram um conjunto monótono de instituições
ocupando as vinte primeiras posições no mundo. Um ranking publicado há cerca de
um mês pela Times Higher Education, uma das mais prestigiosas instituições
especializadas em avaliação universitária, apontou as cem universidades de
melhor desempenho acadêmico localizadas nos cinco países que compõem o bloco
dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) bem como outros países
emergentes do ponto de vista econômico, localizados na Ásia, África, América
Latina e Europa Oriental. Os resultados tiveram grande repercussão no mundo
acadêmico e governamental brasileiro. Alguns, eufóricos, como a indicar a
pujança da universidade brasileira. Outros, que aparentemente não gostaram dos
resultados apresentados, procuraram desqualificar a análise feita, inclusive
usando como um dos argumentos para explicar o resultado o fato de que não temos
tradição de falar inglês, o que prejudicaria o resultado final. Prefiro fazer
uma análise fria dos dados e, ao fazê-lo, me parece claro que a situação do
Brasil é mesmo inapelavelmente ruim, aliás, acompanhando o que vem ocorrendo
com outros níveis da educação no Brasil.
Inicialmente,
cabe ressaltar que entre as cem instituições apontadas como de excelência nas
regiões indicadas acima, 44 estão localizadas no eixo China-Taiwan, 10 na
Índia, sete na Turquia, cinco na Tailândia e África do Sul e, só então, surge o
Brasil, na sexta posição, com quatro universidades (USP, UNICAMP, UFRJ e
UNESP), sendo que nenhuma se encontra entre as dez primeiras (as universidades
brasileiras ocuparam a 11a, 24a, 60a e 87a
posições, respectivamente). Alguns resultados merecem um destaque especial.
Primeiro, a posição quase que hegemônica do mundo chinês, representados pela
China e Taiwan, ocupando cinco entre as dez primeiras posições, avanço
extraordinário obtido nos últimos dez anos graças ao fato de que eles trabalham
com foco, estabelecem metas de produtividade e de qualidade e procuram
cumpri-las. Segundo, o excelente desempenho da emergente Turquia, emplacando
sete universidades, sendo três entre as dez primeiras, derrubando a incrível
explicação de alguns setores, de que o resultado brasileiro decorre da nossa
falta de tradição com a língua inglesa, como se isso tivesse influência
marcante no império otomano. Cabe destacar que nos últimos vinte anos a
produção científica da Turquia passou da 40a posição para a 18a
no mundo, enquanto a brasileira passou de 27a para a 14a
posição. A cada ano, a Turquia se aproxima mais do Brasil, apresentando índice
anual de crescimento maior do que o nosso, sobretudo nestes últimos três anos
onde a taxa de crescimento da ciência brasileira vem diminuindo como
consequência clara do menor investimento do governo federal em Ciência e
Tecnologia. Terceiro, a colocação alcançada pela Universidade de Cape Town,
posicionando-se entre as melhores dos países analisados. Quarto, o vexame dado
pelas instituições universitárias da Rússia.
Como
explicar os resultados indicados acima? A vivência na universidade brasileira
ao longo de quarenta anos me permite afirmar que o resultado medíocre alcançado
não é devido à falta de recursos. Sobretudo, é falta de uma política que
priorize, essencialmente, os valores acadêmicos (competência, mérito,
dedicação, entre outros), com uma gestão profissional com metas muito bem definidas.
É com tristeza que constato que dificilmente reverteremos o quadro de declínio
se não tivermos (comunidade acadêmica e governo) a coragem de mudar os
mecanismos utilizados para a escolha dos dirigentes universitários,
instituindo, por exemplo, o processo de "comitês de busca, utilizados com
sucesso para escolha de dirigentes de institutos do Ministério de Ciência e
Tecnologia. Em uma fase inicial este processo seria aplicado a um grupo
selecionado de universidades que concorde em participar de um programa especial
de fortalecimento institucional, estabelecendo uma espécie de "contrato de
gestão" com o MEC. Voltarei a este tema em outro artigo.
Wanderley
de Souza, professor titular da UFRJ, é membro da ABC e da Academia Nacional de Medicina.
(Jornal do Brasil) http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2014/02/17/o-estagio-atual-das-universidades-brasileiras/
(Jornal do Brasil) http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2014/02/17/o-estagio-atual-das-universidades-brasileiras/